Título: MEDELLÍN VIRA A PÁGINA E SAI DO INFERNO
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 24/05/2006, O Mundo, p. 33

Cidade abandona passado violento e tem o menor índice de homicídios em 25 anos

MEDELLÍN, Colômbia. Com 50 mil moradores, o bairro de Moravia, em Medellín, parece uma favela do Rio de Janeiro. Ruas empinadas que sobem pelo morro, caos urbano, pobreza e uma aura de violência. Em 1990, foi declarado zona vermelha, onde nenhum forasteiro entrava sem arriscar a vida. Gangues e delinqüentes impunham sua lei, matando por um punhado de pesos. Alejandro Giralda, de 31 anos, passou 12 em grupos ilegais de Moravia. Primeiro, na milícia do bairro; depois, nas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC, grupo paramilitar). Mudou de grupo, diz ele, para acabar com a tremenda insegurança. Conseguiu, mas não por meio de diálogo: centenas de bandidos foram aniquilados.

Giralda deixou as armas em 2003 - "doze anos lutando, já não agüentava mais" - e hoje é presidente da Junta de Ação Comunitária do bairro. Considera-se totalmente reintegrado à sociedade e acredita que o processo de desmobilização dos grupos paramilitares não tem volta. Não há por que duvidar de suas palavras, que se tornam mais inquietantes quando ele atribui os maiores méritos pela pacificação de Medellín a Diego Fernando Murillo Bejarano, o Don Berna, ex-comandante do desmobilizado bloco Cacique Nutibara, das AUC.

O nome de Don Berna desperta, porém, terror em muitos paisas (moradores de Medellín), que lembram sua trajetória desde os tempos de lugar-tenente do traficante Pablo Escobar até se converter no chefe dos paracos (paramilitares) da cidade. A ele são atribuídos os piores crimes, e algumas vozes asseguram que da prisão de Itagüi ele controla todo o mundo do crime em Medellín. É acusado de ser o autor intelectual do assassinato de um deputado de Córdoba. Uns o temem e outros o idolatram, como Giralda, que afirma com aparente convencimento que Don Berna "deu o primeiro passo" para pacificar a cidade.

Moravia é hoje um bairro pacífico, por onde se pode caminhar tranqüilamente, e é um claro exemplo da transformação de Medellín, uma cidade que há poucos anos era um inferno. A mudança é atribuída em grande parte a Sergio Fajardo, que chegou à prefeitura em outubro de 2003 à frente de um movimento civil independente. Matemático respeitado e colunista de jornais, ele não tinha qualquer experiência em política. Diversos analistas vêem nele um futuro candidato à Presidência, com chances de promover inovações.

- No ano passado tivemos o índice mais baixo de homicídios dos últimos 25 anos: 770 - diz com orgulho o prefeito, dando um exemplo da metamorfose da capital de Antioquia. - Estamos recuperando o valor da vida e a legitimidade do Estado.

Medellín pode ser apresentada como caso piloto e modelo do processo de reinserção de paramilitares desmobilizados. A prefeitura faz um acompanhamento caso a caso. Os reinseridos recebem 458 mil pesos (R$410) por mês durante 18 meses, prorrogáveis para 24. Mas poucos municípios têm os recursos de Medellín, que recebe investimentos de 23 bilhões de pesos (R$20 milhões).

- Estamos num ponto muito importante para a Colômbia - afirma o prefeito Fajardo, que reclama de um salto para passar da reinserção para a reconciliação.

Na sua opinião, há lugar para o otimismo - "não estamos nos destruindo com a violência, veja Bogotá e Medellín" - e está na hora de a Colômbia mudar. A grande dúvida é como é possível dar o salto ambicionado se os candidatos não falam dos refugiados internos, nem da política econômica, nem de propostas alternativas.