Título: HUGO CHÁVEZ INCLUI A VENEZUELA NO MERCOSUL
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 25/05/2006, Economia, p. 31

Presidente conversou com negociadores do bloco para garantir que seu país seja membro pleno dentro de 4 anos

BUENOS AIRES e BRASÍLIA. Depois de uma rápida e intensa negociação, que começou segunda-feira passada em Buenos Aires, os países do Mercosul fecharam ontem de madrugada um acordo que prevê a incorporação da Venezuela ao bloco como membro pleno, num prazo de quatro anos. Segundo confirmou ao GLOBO o subsecretário argentino de Integração Econômica Americana e do Mercosul, Eduardo Sigal, a negociação foi acelerada pela participação direta do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que conversou com os negociadores para garantir o sucesso do encontro.

- Em 48 horas encerramos uma negociação que poderia ter durado seis meses. Conversamos longamente por telefone com Chávez segunda-feira passada e ele nos manifestou o firme interesse de seu país em selar o acordo - disse Sigal, um dos chefes da equipe argentina de negociadores.

Para ele, este é apenas o primeiro passo no processo de abertura do Mercosul:

- Gostaríamos muito que a Bolívia (membro associado ao bloco) também passasse a ser membro pleno.

Uruguai e Paraguai vão se beneficiar, diz negociador

Em Caracas, o presidente da Venezuela confirmou, eufórico, a incorporação plena de seu país ao bloco fundado em 1991 por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

- Estamos dando um passo fundamental - declarou Chávez, que há cerca de um mês anunciou a decisão de seu país de abandonar a Comunidade Andina de Nações (CAN), condição para incorporar-se plenamente ao Mercosul.

O protocolo de adesão da Venezuela ao bloco ainda deverá ser assinado pelos presidentes dos cinco países, possivelmente na próxima cúpula do bloco, marcada para 20 de julho, na Argentina. O acordo com o governo de Chávez chegou em momentos de profunda crise interna no Mercosul, devido à insatisfação dos governos do Uruguai e do Paraguai. No caso do Uruguai, a situação é mais delicada: além de questionar os escassos benefícios comerciais obtidos pelo país, o governo Tabaré Vázquez está brigando com a Argentina por causa da construção de duas fábricas de celulose no lado uruguaio da fronteira entre os dois países. A Argentina exige a paralisação das obras, enquanto o Uruguai tenta assegurar investimentos em torno de US$1 bilhão no país.

De acordo com Sigal, a entrada da Venezuela ajudará a equilibrar o comércio no bloco, melhorando a situação dos sócios menores do Mercosul.

- Uruguai e Paraguai poderão vender para a Venezuela produtos que não estão conseguindo exportar para Brasil e Argentina - explicou.

Sigal admitiu que a entrada do novo sócio poderia criar problemas de convivência, mas minimizou eventuais conflitos com o governo venezuelano.

- É como ter um novo morador numa casa. No começo certamente teremos alguns conflitos, mas acho que o saldo será positivo - afirmou. - Se tudo der certo, teremos como sócio um país com uma economia que está se desenvolvendo e que tem grandes recursos, graças ao petróleo.

AEB teme questão política: 'é arrumar sarna para se coçar'

O subsecretário argentino não acredita que as posições políticas de Chávez serão um problema:

- Aqui não estão em jogo questões ideológicas. Estamos buscando fortalecer a imagem do Mercosul e aprofundar a integração.

Na visão do Itamaraty, a incorporação da Venezuela fará com que o bloco ganhe uma nova dimensão política, econômica e comercial. Comunicado distribuído ontem à noite pelo Ministério das Relações Exteriores disse que, com isso, o Mercosul passa a ser "um importante vetor da integração na América do Sul" e "um dos mais significativos produtores mundiais de alimentos".

O Itamaraty ressaltou na nota que, com a adesão da Venezuela, o Mercosul passa a constituir um bloco com mais de 250 milhões de habitantes, área de 12,7 milhões de quilômetros quadrados, Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas em um ano) superior a um US$1 trilhão (aproximadamente 76% do PIB da América do Sul) e comércio global superior a US$300 bilhões.

Mas nem todos consideram a entrada da Venezuela um fato positivo. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o Brasil está jogando alto e pode se arrepender, pois o Mercosul passará a ter um componente político, em detrimento dos aspectos econômico-comerciais:

- Acho que a Venezuela deve entrar por uma porta e nós sairmos pela outra. É o que eu acho de arranjar sarna para se coçar.

COLABOROU Eliane Oliveira

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