Título: 'A eleição de domingo define a pole position de 2010'
Autor: José Meirlles Passos
Fonte: O Globo, 25/05/2006, O Mundo, p. 34

Além de dar um provável segundo mandato a Alvaro Uribe, as eleições de domingo devem fornecer um panorama dos candidatos a 2010, analisa o escritor colombiano Daniel Samper Pizano. "O pós-uribismo vai ser diferente", diz o irmão do ex-presidente Ernesto Samper e que está no Rio para o lançamento de "Impávido colosso", passado na ditadura brasileira.

Por que um livro sobre a ditadura brasileira?

DANIEL SAMPER PIZANO: Eu me dei conta de que a primeira ditadura de segurança nacional foi brasileira. Foram tantos horrores da ditadura argentina, da chilena, que a brasileira ficou um pouco esquecida pelos latino-americanos. Têm saído muitas obras sobre Pinochet, sobre os argentinos, mas pouco sobre a ditadura brasileira em espanhol. Achei que era momento de resgatar a memória dessa ditadura, mas também de contar histórias humanas.

Durante os anos 60 e 70 houve grupos guerrilheiros no Brasil e outros pontos do continente. Mas estes países superaram isso. O que aconteceu na Colômbia?

SAMPER: Narcotráfico. A droga é a explicação para que ainda tenhamos 20 mil guerrilheiros. A guerrilha ideológica deixou de existir. Os militantes entram para a guerrilha agora porque oferece postos de trabalho. Oferece salário, dá a possibilidade de pertencer a algo. O que financia isso tudo são um pouco os seqüestros, um pouco as extorsões, mas sobretudo o tráfico. A guerrilha nasce pela opressão e pobreza, mas se mantém graças ao tráfico.

Como o senhor vê as negociações com os paramilitares e com a guerrilha?

SAMPER: Acho que toda arma que se lance é uma boa notícia. O problema é o preço que se paga. Que preço traz esta impunidade e se isso significará estabilidade. Na Argentina se pagou o preço da impunidade e depois se teve que retificá-lo. Na Colômbia se faz a desmobilização dos paramilitares com uma colossal impunidade. A lei de desmobilização diz que as mesmas normas têm que ser aplicadas à guerrilha. O que significa que, se há impunidade, haverá para muita gente. Por outro lado, não basta que entreguem as armas. O que oferecemos em troca? Vão ter trabalho? Ou ao fim de dois anos vão regressar às armas? Acho que tudo isso foi feito de forma um pouco precipitada.

Que avaliação faz do governo Uribe?

SAMPER: Há coisas muito positivas e outras perigosas. Não há dúvida de que devolveu a segurança em algumas regiões. Agora se pode sair das cidades. Devolveu a sensação de segurança de que os colombianos necessitavam. Mas me parece ter uma tendência autoritária. Que é mais caudilho do que líder democrático. E que pretende resolver tudo num nível pequeno. É um detalhista. Ele põe tijolos, não é um arquiteto. A reeleição foi uma fórmula que, me parece, pulou pedaços da democracia. A Colômbia não tinha reeleição há muitos anos e ele a pôs em benefício pessoal.

Como fica a oposição?

SAMPER: Uribe vai ganhar, mas o que a eleição define, também, é a pole position de 2010. A menos que ele reforme a Constituição para continuar governando, o pós-uribismo vai ser muito diferente. E aí a esquerda vai ter uma posição importante. Creio que Carlos Gaviria vai ter uma votação muito boa. Se ele não for candidato em 2010, o candidato poderia ser Lucho Garzón (prefeito de Bogotá). É a pessoa de esquerda em cargo mais importante. Lucho tem feito um bom trabalho em Bogotá e é muito popular. Se a esquerda se unir em torno dele, poderá atrair muita gente.

O senhor vai votar, no domingo?

SAMPER: Sim. Vou votar em Gaviria. Uribe só fala de ordem pública. Mas sem uma solução social, não há possibilidades.

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