Título: A refrega e o futuro
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/05/2006, O GLOBO, p. 2

Tudo que o senador Jefferson Peres (PDT-AM) diz é bem recebido por seus pares no Senado, que se derramam em discursos elogiosos e manifestações de concordância. Mas ficam nisso, lamenta ele. Não foi diferente na semana passada, após a publicação de um artigo em que ele adverte a elite política sobre o triste horizonte político que nos espera em 2007. A não ser que a política mesquinha dê lugar à grande política e propicie a construção de um pacto nos moldes da ¿concertación¿ chilena.

Aqui também já falamos algumas vezes das perspectivas pós-eleitorais. A procurada terceira via entre o PT e o PDSB não se apresentou, embora esteja aí uma parte do PMDB insistindo na candidatura do senador Pedro Simon. É muito pouco provável que ela suplante os interesses regionais e reúna os apoios internos e necessários para se viabilizar. A disputa renhida deste ano entre PT e PSDB aponta para mais quatro anos de beligerância com os olhos postos na eleição de 2010.

Se Lula for reeleito, terá uma base parlamentar ainda menor. Continuará sendo fustigado pela oposição, que pode tentar até retomar a ofensiva pelo impeachment. Em 2002, apesar da votação consagradora, seu partido conquistou apenas 17% das cadeiras na Câmara. O modelo de construção da maioria com base nos partidos menos coesos e mais fisiológicos deu no que deu. Os especialistas em prognósticos eleitorais acreditam que o PT não sofrerá o baque eleitoral anunciado mas é provável que terá uma bancada menor. Desta vez, a coligação do PT será apenas com o PSB e o PCdoB. O PL deve ficar fora. Governar em tais condições não será fácil.

Se o eleito for Alckmin, a coalizão PSDB-PFL não será majoritária, embora possa lhe dar uma base mais ampla. Ainda assim, será preciso correr atrás da maioria. As forças derrotadas, sob a liderança de um PT ressentido com o massacre sofrido após a descoberta dos delitos da velha direção, fará uso de todo o seu poder de mobilização contra o novo governo.

¿ Aqui no Brasil, terminada a apuração a oposição começa a torcer para que o governo eleito não dê certo. Persistindo nesse vício, estaremos condenando o país a um rodízio de governos fracassados ¿ diz o senador Peres.

Para ele, os próximos quatro anos são decisivos para o futuro. Se o Brasil fizer as escolhas certas, pode dar um salto para o desenvolvimento, a superação da pobreza e da desigualdade. Se errar, irá para o pântano das nações inviáveis e marginalizadas. Mas no quadro que se anuncia, de luta política acirrada e falta de consenso sobre as medidas que precisam ser tomadas, são grandes as chances de erro.

O que fazer?

O senador da unanimidade infrutífera acha que os líderes nacionais e os quatro partidos centrais ¿ PT, PDSB, PFL e PMDB ¿ terão que mostrar algum espírito público, superar ambições e sentar-se à mesa em busca de um acordo à moda chilena, que estabeleceu objetivos fundamentais a serem alcançados. Governado há 12 anos pela mesma coalizão, o Chile vem superando desafios econômicos e sociais.

¿ Entre nós, só há convergência relevante quanto à preservação da democracia e da estabilidade monetária. Mas nossos desafios exigem mais, há muitas reformas a fazer, muitas demandas a atender, muitos obstáculos a superar. Nenhum bloco no poder fará isso sozinho.

Cumprimentando Jefferson, o senador petista Tião Viana disse-lhe ter conversado sobre o tema com o presidente Lula.

¿ Creio na reeleição do presidente Lula por conta dos ganhos que a população mais pobre vem obtendo. Mas é preciso fazer muito mais, o que só será possível em outro ambiente político. Neste mandato, a dinâmica do governo foi atropelada pela crise. Acredito que o presidente Lula, se reeleito, receberá a vitória com humildade e fará um chamado a esse entendimento ¿ diz ele.

Outros conselheiros de Lula, como o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, também defendem, em caso de reeleição, a busca de novas bases para a governabilidade e de um acordo nacional em torno de um programa de metas. Entre os aliados de Alckmin, quem exprime concordância com Peres é o senador José Agripino (PFL).

Mas como buscar um acordo de alto nível se a partir de janeiro de 2007 estarão todos pensando na eleição de 2010, com o detalhe de que o PT não dispõe hoje de nome forte para disputar aquela eleição?

¿ Acho que isso só será possível contendo as ambições e reformando o sistema político. Parlamentarista, sempre achei que não estávamos prontos para a mudança da forma de governo. Mas este ano, com a cláusula de barreira, o quadro partidário já ficará bem mais enxuto. Se aprovarmos a fidelidade partidária e o voto distrital misto, já podemos pensar na eleição de 2010 como a última sob este regime presidencialista que se tem mostrado inadequado ¿ diz Peres.

Ele mesmo se pergunta se não é apenas um sonhador na terra devastada da política nacional. Mas nestes tempos sombrios, parodiando o poeta, mais que nunca é preciso sonhar.

O MINISTRO Ciro Gomes terminou a semana como o mais provável companheiro de chapa do presidente Lula. Dissimulando o incômodo, José Alencar foi visitar Aécio Neves em Minas.