Título: BOMBEIROS AGORA CONVIVEM COM ARMAS E CÂMERAS
Autor: Tatiana Farah
Fonte: O Globo, 28/05/2006, O País, p. 3

SÃO PAULO. No quartel onde o bombeiro João Alberto da Costa foi assassinado por uma facção criminosa, os bombeiros instalaram câmeras de vigilância. Com armas e coletes à prova de balas, eles ainda não conseguiram se desfazer do trauma nem driblar o acaso: João foi morto na saída do prédio, quando corria para avisar aos companheiros que os ataques haviam começado.

Na semana passada, um bombeiro reconheceu um dos criminosos acusados de matar João.

¿ Os colegas viram a foto e o nome dele e souberam que ele já foi atendido pela gente quando foi atropelado no Centro. Ele era piloto (espécie de gerente da facção criminosa) aqui na área e, com a ordem do comando, juntou os bandidos da região para atacar o posto ¿ conta um dos bombeiros.

O assassinato de João expôs a fragilidade do Corpo de Bombeiros, instalado no Centro da cidade, próximo à chamada Cracolândia, região de consumo e tráfico de drogas. Fez também com que os bombeiros passassem a usar armas e coletes, embora eles reclamem da falta de agilidade provocada pelo novo equipamento.

¿ Eles estão usando armas porque ainda estão sob o efeito do trauma. Eu nunca andei armado. E nunca vou andar. Não tenho nenhum instinto para matar, para usar a arma. Quando era pequeno nunca matei nem passarinho. Então eu vou fazer o quê? Só se tirar a arma e jogar na cabeça do bandido¿ queixa-se outro bombeiro, que preferiu não se identificar.

Outro soldado, que está usando arma, contesta o colega:

¿ O perigo é que o ¿ladrão¿ ataca quando a gente abaixa a guarda.

Os bombeiros parecem mesmo não saber lidar com o novo inimigo, os ataques à corporação. Com as novas câmeras de vigilância ligadas, eles faziam um exercício, de costas para a rua, no mesmo local onde João foi morto.

¿ É que a gente não tem malícia de polícia. Podíamos fazer o treino aqui dentro? Podíamos. Mas ninguém nem pensa nisso na hora do trabalho ¿ explica o bombeiro conhecido como Severo.

Hoje fazendo trabalhos internos, Severo se lembra de ter sido o terceiro bombeiro a socorrer as vítimas da queda de um avião da TAM, em 1996, quando morreram 99 pessoas. Foi homenageado à época e nunca pensou que seu quartel pudesse ser atacado. Agora, preocupa-se com a falta de segurança:

¿ Eu nunca vi isso, um ataque a bombeiro. Qual a proteção que se tem no quartel? Não há nem portões. Agora vão tomar algumas medidas, depois do leite derramado. (Tatiana Farah)