Título: MEDO UNIFORME
Autor: Tatiana Farah
Fonte: O Globo, 28/05/2006, O País, p. 3

Depois dos ataques, policiais evitam farda, usam armas nas folgas e criticam autoridades

Depois da violência, o medo. Com e sem o uniforme, policiais de São Paulo estão mudando seus hábitos para ¿se adaptar aos novos tempos¿, como disse um delegado da Zona Leste, uma das regiões mais atingidas pela violência dos ataques de uma facção criminosa que abalou a capital. Os policiais militares evitam andar fardados para sair ou entrar em casa. Muitos deles, que não usavam arma durante a folga, agora estão sempre armados.

¿ Quando estou de folga vigio a minha casa 24 horas por dia. Vou mandar a família para a Bahia e, depois, dou um jeito de ir para lá ¿ diz um PM de Itaquaquecetuba, Grande São Paulo.

Para um policial civil que numa ocorrência antiga foi identificado por parentes de um dos supostos bandidos mortos em confronto, a semana começou com uma ameaça de morte:

¿ Eu sei que você matou o Mi. Os irmão vai vingar (sic). Vai morrer filho da p.... ¿ diz o texto, escrito a mão em uma folha pautada.

A polícia investiga a ameaça, mas policiais consideram que bandidos de outras facções criminosas também aproveitam a onda de violência para atacar policiais.

Policiais e parentes conversaram com O GLOBO mas pediram para ter suas identidades preservadas. O medo não é apenas o de se tornar alvo da quadrilha, é também o de ser repreendido pelas corporações. A ordem é não falar.

O cabo Antonio Crescente está à beira da aposentadoria. Trabalha num posto móvel da PM em Itaquera. Os trailers não são blindados e não há estrutura para responder a um ataque. Todos foram recolhidos na semana passada e o trabalho ainda está se normalizando. Agora, ao voltar às ruas, os postos têm reforço, com carros em ronda permanente.

¿ Medo todo mundo tem. Quem não tem medo é aquele cara que morre rápido. O que aconteceu foi um pouco de covardia dos próprios bandidos ao atacar assim.

Policial há 25 anos, pai de três filhos, Crescente conta que a mulher ficou mais preocupada:

¿ Eu saio de casa e ela fica orando.

O trailer de Crescente fica no centro de uma praça da periferia, rodeado pelo comércio. Os moradores dizem que também ficaram com medo de estar perto de um possível alvo.

¿ Ficar com medo é uma questão de preservação, mas é melhor com o posto do que sem ele ¿ afirma André Morais, um comerciante que já sofreu 15 assaltos.

O moral da tropa está baixo não só pelo temor de novos ataques. A palavra decepção foi usada por diversos policiais.

¿Tenho colegas que estão decepcionados. Eu estou decepcionado. Minha família está apreensiva e nossas autoridades estão fracas ¿ diz um sargento da Zona Leste.

O sargento vem de uma família de policiais. Diz que sua cunhada, que também é da PM, está com medo e fica lhe telefonando, apreensiva:

¿ Eu digo que temos de continuar o trabalho. Mas antes de entrar em casa, agora, eu dou a volta no quarteirão. Fico de olho. A gente não anda mais fardado na rua. Troca de roupa no batalhão.

Rodízio para usar o colete

Para ele, o maior problema é a má estrutura oferecida pelo governo:

¿ A facção é mais organizada que a gente, movimenta R$1 milhão por mês.

Um soldado de 25 anos, do batalhão do sargento, mostra a arma: um revólver calibre 32 velho. Naquele batalhão, os policiais fazem um rodízio para usar os coletes à prova de bala.

¿ Não tem para todo mundo. Então a gente se reveza ¿ conta outro soldado.

Para um cabo da PM, o maior problema foi que as autoridades sabiam que os ataques eram iminentes e, ainda assim, os policiais foram pegos de surpresa, com equipamentos precários.

¿ Os colegas estão mais revoltados com o governo do que com os bandidos. Porque bandido é bandido ¿ disse ele.

Um delegado afirma que a revolta é uma mostra da indignação contra os governos.

¿ O povo está com ódio das autoridades. Todo mundo ouve as histórias de corrupção, não só da polícia, mas de quem governa. Agora foi uma ação contra a polícia. O que virá depois?

Para o delegado, que atua na periferia, a maior perda é a do prestígio com a comunidade.

¿ O policial perde o prestígio e sua família começa a ser ameaçada. Se fosse uma guerra ideológica, tudo bem. Numa guerra o primeiro a morrer é o policial.

O delegado conta que, em sua região, os criminosos sumiram semana passada.

¿ Mas eles vão voltar. E nós estamos como toda a sociedade. Fomos pegos de surpresa. Não adianta dizer que o problema é a falta de armas. É a motivação. Motivada, a polícia faz com um estilingue o que eles fazem com um canhão.

Em um conjunto habitacional da periferia da Zona Norte, onde vivem funcionários públicos e policiais, os moradores aumentaram a vigilância. Na semana retrasada, no auge dos confrontos, os vizinhos ficaram apavorados com rajadas de tiros disparadas contra os prédios. Agora, os policiais que moram no local se revezam numa discreta vigilância. Funcionam como olheiros nas próprias casas. Os servidores estão proibidos de falar com a imprensa e os moradores também evitam contato. Policial reformado, Geovani Moreira da Silva, de 75 anos, conta:

¿ Fui da antiga Força Pública, muito antes de existir a PM, e nunca vi isso. Nós e os vizinhos ficamos com medo. Mas, agora, toda noite os reformados e os da ativa fazem a cobertura.

No litoral Norte de São Paulo, um delegado se mudou com a família para uma cidade distante. Outro policial civil da capital, que foi baleado e teve a família atacada, está ¿sumido¿:

¿ Ele se mudou e não disse para onde ¿ diz outro policial. Na Polícia Civil, ainda vigora o sinal de alerta. As patrulhas só saem em duplas. Há bloqueios com carros, cones e fitas em unidades atacadas pela facção criminosa.