Título: `ESSA MANIA DE SER EMOCIONAL É HORRÍVEL¿
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 28/05/2006, O País, p. 8

Governador diz não ter por que divulgar lista de mortos antes dos inquéritos e que Brasil precisa aprender a refletir

O governador de São Paulo, Cláudio Lembo (PFL), considera que, aos 71 anos, não tem mais futuro político e se acha na ¿obrigação moral¿ de dizer o que pensa. Criado na Arena, com o regime militar, Lembo se diz pequeno-burguês e conservador, mas também liberal-socialista, definição sem muita aceitação em seu partido. Sobre a crise no PFL, Lembo diz que ela está prestes a se encerrar: ¿Eu diria um pouco evangelicamente: `Eles não sabem o que fazem¿. Deus que os perdoe¿. Para Lembo, a burguesia brasileira precisa ¿sair da casa-grande¿ em nome do capitalismo. Segundo ele, por culpa da burguesia e da atitude de empresários e políticos, a facção criminosa pode voltar a atacar.

Como está a sua imagem com a sociedade?

CLAUDIO LEMBO: Não poderia ter 70% de ótimo. Assumo o governo e já surge essa crise. E eu fui muito franco com a sociedade, isso certamente gerou uma perplexidade. Teve a crise na segurança e há a minha figura também. A sociedade não me acha carismático.

O senhor se assustou com o comportamento da polícia, com ao menos 30 inocentes mortos?

LEMBO: Não. Pode haver até muitos mortos. Eu sempre disse que eventualmente podia (ter morrido inocentes).

Agora isso está mais claro?

LEMBO: Não está claro, não. Isso é uma precipitação de segmentos que gostam de agitar temas, sem uma efetiva convicção. Para saber se há vítimas inocentes ou culpadas, só depois que terminar o processo penal, que é longo.

Não fica difícil a sociedade saber se o senhor proíbe a divulgação da lista de mortos?

LEMBO: Não tem por que divulgar.

Essa postura desgasta sua imagem?

LEMBO: Não tem importância. O Brasil precisa aprender a refletir. Essa mania de ser emocional é horrível. Primeiro ponto: os inquéritos estão se iniciando, não se sabe o que aconteceu. E por que vou divulgar nomes de inocentes ao lado de bandidos?

A sociedade tem que acreditar na versão da polícia e do governador?

LEMBO: A sociedade não pediu. Alguns segmentos mínimos pediram.

O senhor analisou as suspeitas da ação de grupos de extermínio como a Ouvidoria avaliou? O senhor não teme ser acusado de um novo Carandiru?

LEMBO: Como Carandiru? Nós fomos violentados, agredidos. Não morreu um preso sequer. Nenhum fugiu. Agora, no combate de rua, as coisas acontecem com gravidade. E eu estou realmente triste. E eles não formam esquadrões. A PM de São Paulo tem 450 horas/aulas de direitos humanos na academia. Aprende profundamente. Meu Deus, eu tenho que acreditar que as pessoas aprendem! O imperativo categórico existe no interior de cada um.

Falando de política, como está a crise no PFL?

LEMBO: O PFL teve que escolher o vice e dois segmentos se separaram muito claramente. Felizmente, ganhou o José Jorge. E isso criou fissuras, momentos de tensão. Mas passa. O PFL sempre esteve dividido. Vocês é que não percebiam. É o PFL de um e do outro, de Marco Maciel e Jorge Bornhausen, isso é histórico. E eu sou fundador desse PFL do Marco Maciel, é o PFL que não faz jogadinhas.

E quanto às fissuras internas? O senhor tem sido um forte personagem da crise.

LEMBO: Sou. Agredido, agredido... Mas é normal. O ser humano é pouco racional é muito emotivo, particularmente em política. Falam sem pensar. Eu diria um pouco evangelicamente: ¿Eles não sabem o que fazem¿. E Deus que os perdoe. Ouvi de um líder do PFL que o senhor não sabe jogar...

LEMBO: Ele deve ter jogado demais. Eu nunca joguei.

E como é que se faz essa política sem jogar, governador?

LEMBO: Porque eu sempre fui leal, franco, e sempre digo o que penso. Então as pessoas sempre me respeitaram por isso. Nunca busquei cargos públicos. O que obtive foi pelas circunstâncias. Então, não sei jogar.

Essa postura não é perigosa num momento eleitoral?

LEMBO: Não. Tenho sido claro na minha lealdade ao Geraldo Alckmin. Acho que o Brasil precisa de um choque de lealdade e ética. Talvez eu dê entrevistas fora dos parâmetros de quem faz jogadinhas.

E por isso o senhor fala em ¿minoria branca"?

LEMBO: É lógico. É uma realidade brasileira. Por que o Brasil precisa ter senhores de engenho que dominam a escravidão?

O senhor é do PFL, vem da Arena, do regime militar...

LEMBO: Eu sou um pequeno-burguês. Não sou burguês, não cheguei a tanto. Sou pequeno-burguês, sou conservador. Mas isso não tira a possibilidade de ver a realidade e fazer com que ela se altere. Tenho a obrigação de fazer isso.

O senhor não considera esse discurso um pouco à esquerda?

LEMBO: Não existe esquerda e direita. Há pessoas que querem o bem da sociedade. Eu me inspiro em um italiano chamado Carlo Rosseli. Ele escreveu um livrinho nos anos 30 chamado ¿Liberalismo social¿. Sabe, para viver, você tem que ter a consciência de que a liberdade é bem fundamental, daí o liberalismo. Não só a econômica, a política, mas a liberdade. E também tem que ter a consciência da igualdade e da fraternidade.

E o senhor é neoliberal...

LEMBO: Jamais! Não sou.

E seu partido, o PFL?

LEMBO: O meu partido não sou eu. Sou um liberal-socialista. Agora estou numa plataforma muito alta. Então, poderiam me dizer: ¿Tome cuidado com suas palavras¿. Mas para quê? Na minha idade tenho obrigação de ser nítido, claro e preciso, doa a quem doer.

E a burguesia brasileira?

LEMBO: É um país marcado pela idéia única, pela força única. Nosso passado não é o do homem cordial. É do homem violento.

O PFL não representa exatamente isso, a minoria branca?

LEMBO: Claro. E eu não nego isso. Eu nunca disse que o PFL é um partido puro ou de vanguarda. É conservador. Mas não quer dizer que todos do PFL sejam conservadores. Ou não-lúcidos. Eu procuro ser lúcido. É lógico que a burguesia tem que abrir mais a bolsa!

Como assim?

LEMBO: Passamos séculos sem falar em responsabilidade social, fechada em si, em grupelhos familiares. Tem que abrir. O capitalismo vai abrir a burguesia brasileira. A burguesia fechada da casa-grande vai ser aberta pelo capitalismo. O capitalismo não permite que os fracos subsistam. Tem concorrência. O brasileiro não gosta. Não gosta de Mauá. O brasileiro gosta daquele que bajula e fica nos palácios. Tem que mudar essa modalidade. O Brasil execrou Mauá, mas adorou as figuras que ficaram na corte. Tem que mudar.

E qual o papel do empresariado brasileiro?

LEMBO: Os empresários também têm que mudar. Nas multinacionais, a vida dos trabalhadores é melhor. Reparem. O que vem de fora para cá tem mais responsabilidade social, que nem sempre existe aqui dentro. A burguesia, quando é ostentatória, não é burguesia. É arrivista. O burguês é cuidadoso com o dinheiro, faz as contas dobradas com o que entra e o que sai, ele é cuidadoso e respeitoso com o dinheiro, é um valor. O que me angustia é que nós temos no Brasil arrivistas sociais. Ele não é o burguês com valores. É gente que só quer aparecer, só quer gastar, é agressivo com pobres, irresponsável. Temos que dar um choque nisso.

Foi isso que gerou a facção criminosa em São Paulo?

LEMBO: De certa forma. Mas houve também os maus exemplos públicos, dos parlamentares, do Executivo, do Poder Judiciário.

Sendo assim, fica claro que os ataques vão voltar?

LEMBO: Sim, podem voltar. Não acho que em breve prazo. Acabo de fazer um discurso na Fiesp sobre isso. Porque eu também ando com a burguesia branca.