Título: Referendo para o uribismo
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 28/05/2006, O Mundo, p. 45

Eleição hoje consolida poder de presidente centralizador e populista que já vislumbra 2010

Alvaro Uribe é o protótipo do caudilho moderno, como ficou provado nos últimos quatros anos e na campanha eleitoral que hoje vai lhe garantir a reeleição como presidente da Colômbia ¿ salvo ocorra um milagre. A expectativa é de que seus opositores não conseguirão sequer obrigá-lo a um segundo turno.

Uribe é incapaz de disparates como os de seu colega Hugo Chávez, da vizinha Venezuela, ou de desatinos como os do boliviano Evo Morales. Não resta dúvida, porém, que ele encarna uma versão atualizada de Getúlio Vargas ou Juan Perón.

Assim como houve o getulismo, e ainda existe o peronismo, o presidente colombiano está cristalizando o uribismo. Ele subiu ao poder, quatro anos atrás, como uma força independente ¿ depois de alguns anos de experiência no Partido Liberal, como vereador e prefeito de Medellín, senador e governador de Antioquia.

Uma campanha sem participar de debate

Depois de pulverizar cerca de dois séculos de tradição, durante os quais o país oscilou ¿ e travou guerras sangrentas ¿ entre os partidos Liberal e Conservador, Uribe chega à votação de hoje representando uma coligação de agremiações pequenas, numa disputa em que comparativamente seria um bloco de carnaval do segundo grupo se aventurando a concorrer com escolas de samba do primeiro grupo no Rio de Janeiro.

Uribe vai à urna hoje, com mais 26.731.640 cidadãos colombianos capacitados a votar ¿ nas 54.764 urnas espalhadas por 1.098 municípios ¿ com um índice de intenção de votos (56%) exatamente igual ao que tinha em agosto do ano passado, quando a Corte Constitucional sequer havia endossado a mudança, forçada por ele, que permitiria, depois de 64 anos, que um presidente se candidatasse à reeleição.

Durante toda a campanha, Uribe se mostrou sempre mais como presidente do que como candidato. Convencido de que que nem precisava disputar, ele sequer compareceu aos debates públicos com os demais candidatos. Um gesto de arrogância, definiram os seus opositores. Uma iniciativa sensata, concluíram os seus simpatizantes.

Foi, na verdade, a pose mais adequada ao seu temperamento e estilo. Detalhista e autoritário, obcecado pelo controle absoluto ¿ muitas vezes toma decisões sem consultar os seus colaboradores ¿ Uribe preferiu não se submeter à artilharia da oposição em debates que, sem dúvida, seriam mais abertos que os seus ¿Conselhos Comunitários¿.

Meditação para controlar emoções

Trata-se de reuniões que ele realiza nas manhãs de todo domingo, cada uma num município distinto do país ¿ sem anunciar a sua visita, por motivos de segurança ¿ acompanhado de todo o ministério. Ali ele ouve queixas dos cidadãos, reunidos em praça pública ou num salão local, e intima ¿ perante todos ¿ o ministro da área específica a providenciar uma solução rápida para o problema apontado, numa legítima exibição de populismo que hoje agrada aos colombianos.

Uribe, que completará 54 anos no próximo dia 4 de julho, age como se fosse o pai de todos eles, o seu protetor, independente de correntes políticas. Ele busca e encara objetivos de esquerda, apresentando soluções de direita ¿ segundo dizem analistas locais. E está tão convencido de seu papel de salvador da pátria ¿ de caráter messiânico ¿ que já sonha, segundo confidenciam assessores, com uma nova mudança na Constituição: a que lhe permitiria, daqui a quatro anos, candidatar-se uma vez mais.

O país parece ter absorvido tranqüilamente o novo quadro político, em que Uribe esteve sempre tão certo da vitória, e os seus opositores tão seguros de sua própria derrota, que nenhum deles se deu ao trabalho de espalhar cartazes de sua candidatura pelas ruas.

Vêem-se apenas pichações anti-Uribe em muros, paredes e fachadas de edifícios na capital colombiana. A votação de hoje é considerada, na verdade, um referendo ao seu governo. E não há dúvidas de que a maioria dos colombianos gostou do que viu: um líder que demonstrou firmeza no combate à criminalidade e à violência em geral, um administrador que recuperou a economia e uma voz independente da classe política tradicional ¿ cada dia mais desprezada.

A autoridade de Uribe é incontestável, apesar de sua fala mansa que reflete o controle de suas próprias emoções e impulsos, obtido através da meditação transcendental em sessões diárias de Yoga Nidra.

¿ É muito difícil para mim encarar os erros que cometo ¿ confessou o presidente, quinta-feira passada, numa rara entrevista a um programa de televisão dedicado a donas de casa, em que deixou a política de lado para exibir traços de seu perfil de ¿homem comum¿ que acorda diariamente às 4h30m e às 6h já está junto à sua mesa de trabalho, para desconsolo de seus colaboradores mais próximos.