Título: O voto personalista
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 27/05/2006, O País, p. 2

Não sabemos se foi o sistema de voto proporcional nominal que desenvolveu o gosto do eleitor brasileiro por votar em pessoas e não em partidos, ou se o sistema é que tratou de se ajustar a esta inclinação. Certo é que ela continua viva e forte, como mostram as pesquisas. O preço tem sido a inconsistência dos partidos, a infidelidade, a indisciplina e a dificuldade dos governantes para obter a maioria parlamentar.

Segundo a pesquisa Datafolha, quase metade (47%) dos eleitores do presidente Lula em São Paulo declara preferência pelo tucano José Serra para governador. Só um terço dos eleitores do presidente prefere o candidato petista Aloizio Mercadante. Em Minas, o governador tucano Aécio Neves, candidato à reeleição, é franco favorito, tendo 72% de preferência contra apenas 6% do petista Nilmário Miranda. No entanto, para presidente Lula é disparado o preferido dos mineiros. Deste cruzamento surge o que eles têm chamado de "voto Lulécio". Embora o Datafolha não apresente os resultados por estado, mas por região, outras pesquisas conferem a Lula índices expressivos em Minas.

Quando o Datafolha busca colher a preferência espontânea do eleitor para presidente (sem apresentar lista de nomes), Lula obtém 31%. Destes eleitores, 67% são simpatizantes do PT, 29% do PMDB, 34% do PFL e 13% do PSDB, entre outros partidos. Já entre os 7% obtidos por Alckmin, 39% são de simpatizantes do PSDB, 20% do PFL, 9% do PMDB, e 1% do PT!.

Segundo ainda o Datafolha, Lula paira acima do PT mas o mesmo não ocorre com Alckmin: 76% dos que votam nele para presidente votam também em Serra para governador. Apenas 7% desviariam o voto para Mercadante. Serra, por sua vez, tem o apoio de eleitores que não votam em Alckmin para presidente. Ele atrai 21% de eleitores indecisos na disputa presidencial. Pode-se concluir que Alckmin e Mercadante dependem muito da fidelidade dos simpatizantes de seus partidos.

Mas sabemos que ela é baixíssima no Brasil. Se para presidente o eleitor já não leva em conta a filiação partidária do candidato, para deputado esta liberalidade é muito mais acentuada. Vota-se no candidato que faz sua própria campanha, com dinheiro que arranjou por seus próprios meios, pregando suas próprias idéias. O resultado são estas bancadas indisciplinadas que votam como querem, não obedecem à orientação partidária e tornam inconsistente qualquer coalizão de governo. No governo FH a disciplina dos partidos governistas já era baixa. Sob Lula, apesar do chamado mensalão, nunca deram a maioria dos votos ao governo. O PMDB, tido como fiel da balança de qualquer governo, vota sempre rachado quase ao meio. No próximo governo, seja Lula ou seja Alckmin o presidente, não será nada diferente. Será duro governar com um Congresso eleito pelo voto personalista.

O que poderia coibir esta vocação seria a adoção da lista fechada de candidatos. O principal argumento dos que se opõem é exatamente que ela restringe a escolha do eleitor, que prefere levar em conta os atributos pessoais do candidato. Por isso o voto distrital misto tem voltado ao debate sobre a reforma política. Ele possibilitaria, diz o deputado Ronaldo Caiado, o voto personalizado no distrito, e o voto partidário na lista, na eleição proporcional.