Título: Uma baixa em meio à guerra
Autor: Flávio Freire e Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 27/05/2006, O País, p. 3

Lembo diz que demissão de secretário de Penitenciárias é 'a crônica de uma morte anunciada'

Atingido por denúncias de que havia negociado com uma facção criminosa para tentar acabar com os atentados contra policiais em São Paulo, o secretário de Administração Penitenciária do estado, Nagashi Furukawa, deixou ontem o cargo alegando desentendimentos com setores do governo paulista. Ao entregar o pedido de demissão ao governador Cláudio Lembo (PFL), Furukawa chorou. Em seis anos e meio à frente da secretaria, ele foi criticado pela atuação nas rebeliões em 29 presídios, em 2001, e na série de motins que atingiu 73 penitenciárias há duas semanas e levou a mais de 150 mortes (de 110 bandidos e 46 policiais e civis). Ele, no entanto, não admite ter sido derrotado pelos criminosos.

Após a solenidade em que transferiu o cargo para o servidor público Luiz Carlos Catirse, por enquanto interino no cargo, Furukawa não escondeu a irritação quando perguntado se sua demissão era a evidência de que o crime organizado saiu vitorioso:

- Não vou responder a esta pergunta. Não respondo a perguntas como esta.

Ao aceitar o pedido de demissão, o governador disse que o secretário demissionário estava exausto com as crises no sistema penitenciário.

- Um dia todos cansam - disse Lembo, ao informar que o pedido de demissão foi "de ordem subjetiva".

Depois, Lembo disse ao GLOBO que a saída de Furukawa foi "a crônica de uma morte anunciada" e que na próxima semana nomeará um novo secretário, com perfil mais político:

- Há uma semana Nagashi me procurou e disse que não ficaria mais. Pedi que ficasse, num momento tão difícil, por causa da biografia dele e da filosofia que ele implantou.

Lembo: "Somos muito ciclotímicos"

No pedido de exoneração, Furukawa justifica a demissão "por motivos de natureza pessoal". Diante das divergências entre setores das polícias civil e militar, além de falta de sintonia com a Secretaria de Segurança Pública, ele resistiu às pressões:

- Precisa haver um entrosamento maior entre as instituições que combatem o crime organizado. Decidi deixar o cargo porque acho que minha presença atrapalha os trabalhos das autoridades - disse, sem disfarçar as lágrimas a cada cumprimento que recebia no Palácio dos Bandeirantes.

Depois dos ataques a bases policiais com ordens que partiam dos presos nas cadeias por celulares, a situação de Furukawa piorava a cada dia, agravada principalmente pelas críticas por conta das negociações com chefes da organização criminosa que aterrorizou o estado entre os dias 12 e 19 deste mês. Também foi motivo de críticas o fato de a transferência de chefes da facção ter sido mantida mesmo depois que a notícia da operação vazou para os presos. Os detentos se comunicavam de um presídio para outro com facilidade, usando celulares.

Furukawa é acusado de liberar a compra de 60 televisores para que os presos pudessem assistir aos jogos da Copa do Mundo. Lembo fez ontem uma ressalva sobre a compra:

- No Brasil, somos muito ciclotímicos. O preso é um ser humano privado de liberdade porque praticou um delito, porém é um ser humano e não há problema de ter uma televisão, desde que se saiba a origem desse aparelho e que se tenha nota fiscal.

Outro episódio que desgastou Furukawa foi a realização, dois dias depois do início dos atentados, de uma reunião na Penitenciária de Segurança Máxima de Presidente Bernardes, com a presença de um representante da secretaria, um coronel da PM e a advogada da facção. O governo cedeu um avião para que a advogada participasse do encontro. O chefe da facção, Marcos Willians Camacho, o Marcola, também participou da reunião.

Pesou a favor da demissão o fato de o secretário admitir que sabia que os criminosos preparavam uma megarrebelião e que atentados contra a polícia poderiam ocorrer. A Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar de São Paulo entrou com representação no Ministério Público pedindo a responsabilização criminal de Furukawa e do secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, por não terem avisado à polícia do risco de atentados, nos quais morreram 42 agentes públicos, entre policiais militares e civis, agentes penitenciários e guardas metropolitanos.

Secretário declarou fim de facção em 2001

SÃO PAULO. A passagem de Nagashi Furukawa pela Secretaria de Administração Penitenciária foi marcada inicialmente pela tentativa de minimizar a força da facção criminosa que acabou por nocauteá-lo depois da série de ataques em São Paulo. Depois de 29 rebeliões em série em 2001, o secretário declarou até que a organização não teria mais poder de articulação nas penitenciárias do estado. Para ele, a facção havia morrido.

Nascido em Presidente Bernardes, a cidade onde o governo paulista construiu a maior unidade de segurança máxima do estado, Furukawa se rendeu à pressão e a evidências de que o crime organizado não fora desarticulado cinco anos e muitas rebeliões após ter assumido o cargo.

Formado em direito pela Universidade São Francisco, de Bragança Paulista, interior de São Paulo, ele exerceu a profissão de advogado por dois anos. Depois atuou como delegado de polícia, promotor de Justiça e juiz de direito, atividade que exerceu por mais de 20 anos. Em 1999, assessorou a Secretaria de Segurança Pública na área prisional. Daí em diante passou a atuar nesse setor. Furukawa dirigiu o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e foi presidente do Conselho Deliberativo da Associação de Proteção e Assistência Carcerária de Bragança Paulista.

O governador Cláudio Lembo disse ontem que a filosofia aplicada por Furukawa na secretaria será objeto de reflexão.

"A filosofia aplicada ao sistema penitenciário pelo secretário demissionário nesses sete anos será objeto de reflexão e futuras decisões", disse Lembo na nota oficial em que aceitou o pedido de demissão do homem que durante parte da administração do PSDB comandou o sistema penitenciário do maior estado do país.

"Há uma semana Nagashi me procurou e disse que não ficaria mais. Pedi que ficasse, num momento tão difícil, por causa da biografia dele e da filosofia que implantou. Um dia todos cansam"

CLÁUDIO LEMBO

Governador de São Paulo