Título: BANQUEIRO ATRÁS DAS GRADES
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 27/05/2006, Economia, p. 33

Ex-dono do Banco Santos é preso por obstruir investigações e ocultar obras de arte

O ex-dono do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, foi preso ontem de manhã pela Polícia Federal (PF). Cid Ferreira, que responde a processo por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, entre outros crimes, foi acusado de tentar obstruir as investigações e ocultar obras de arte arrestadas pela Justiça. O ex-banqueiro foi levado às 11h45m de sua mansão de 4.100 metros quadrados no bairro do Morumbi, avaliada em R$50 milhões, para o Instituto Médico-Legal (IML), e de lá para uma cela individual de aproximadamente quatro metros quadrados na carceragem da PF em São Paulo. Na semana que vem, caso o banqueiro continue detido, a PF pedirá a remoção dele para um presídio comum.

A prisão preventiva de Cid Ferreira foi decretada ontem de manhã pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal, especializada em crimes financeiros, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que investiga o ex-banqueiro e outros 18 ex-diretores do Santos por gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, remessa ilegal de divisas e formação de quadrilha, em um escândalo financeiro que deixou um rombo de R$2,2 bilhões, segundo o Banco Central (BC).

De acordo com o MPF, Ferreira ocultou o paradeiro de algumas obras de arte de sua coleção pessoal, que haviam sido arrestadas pela Justiça como garantia no processo de liquidação do Santos. As obras em questão são a escultura "Woman", de Henry Moore, uma gravura de Roy Lichtenstein, uma pintura de Jean-Michel Basquiat e quadros de Anish Kapoor, Rauschenberg, Jean Dubuffet e Fernand Leger.

Advogado critica pedido de prisão

Cid Ferreira alegou que as obras haviam "desaparecido". Mas uma testemunha de defesa disse, em depoimento, ter visto os quadros na mansão do ex-banqueiro. Segundo o MPF, o próprio Cid Ferreira admitiu, em outra ação, ter vendido obras para saldar dívidas. A negociação teria sido feita pela Wailea Corporation, empresa pertencente a Cid Ferreira no paraíso fiscal de Antígua, no Caribe.

No pedido de prisão, o MPF alega também que o ex-banqueiro teria tentado pressionar autoridades de Antígua a sonegar informações para a Justiça brasileira. Para o MPF, essas ações configuram tentativa de obstruir as investigações, motivo previsto em lei para a prisão preventiva.

O advogado de Cid Ferreira, Arnaldo Malheiros Filho, distribuiu uma nota ontem à tarde na qual nega que o ex-banqueiro tenha perturbado o andamento do processo: "Meu cliente foi preso em sua casa, onde sempre esteve à disposição da Justiça".

Além de um pedido de hábeas-corpus, que seria protocolado no Tribunal Regional Federal (TRF) ainda ontem, o advogado aguarda o julgamento de uma argüição de suspeição contra o juiz De Sanctis. O juiz chegou a confiscar a mansão de Cid Ferreira para transformá-la em museu, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou a decisão indevida.

Cid Ferreira estava em casa às 11h45m quando uma equipe da PF mostrou a decisão do juiz e lhe deu voz de prisão. Ele se entregou sem reclamar e não foi algemado. O local onde Cid Ferreira está preso é o mesmo onde o ex-prefeito Paulo Maluf e seu filho Flávio passaram 40 dias no ano passado. Outros 30 presos, na maioria estrangeiros à espera de deportação, ocupam a carceragem.

- Ele fica preso aqui até a próxima semana. Depois, vai para o sistema penal do estado - disse o superintendente da PF em São Paulo, Geraldo José de Araújo.

Na PF, ele terá direito a banho de sol e três refeições. Não existe televisão na carceragem e as celas têm apenas banheiro e um catre acolchoado. Cerca de meia hora depois da chegada do ex-banqueiro à PF, seu secretário pessoal apareceu em um Mercedes-Benz carregando algumas malas da marca Louis Vuitton.

Segundo a PF, Ferreira chegou à carceragem a tempo de receber a marmita do almoço.

- Mas, no lugar dele, eu não teria apetite - disse Araújo.

Ligações com o mundo das artes

O ex-banqueiro chegou a São Paulo há 40 anos e iniciou sua carreira no mercado financeiro como funcionário do Banco do Brasil (BB). Economista formado pelo Mackenzie, Cid Ferreira deixou o BB em 1969, quando fundou a Santos Corretora, em homenagem à cidade onde nasceu, no litoral paulista. A corretora deu origem ao banco.

Ele costuma dizer que aprendeu muito com o pai, o português Eduardo Ferreira, que foi gerente da Lloyd's, corretora de seguros e navios em Santos, onde passou a juventude. Interessado pelo mundo da arte, aos 18 anos conheceu Patricia Galvão, a Pagu, musa do movimento modernista. Chegou a montar a peça "Barrela", de Plínio Marcos, que fala sobre a dura vida na prisão. Desde então, passou a ser um misto de banqueiro de sucesso, presente nas colunas sociais, e patrono das artes.

Cid Ferreira presidia a BrasilConnects, fundada nos anos 90, e que promoveu 47 grandes exposições no país, como a mostra "500 anos do Descobrimento", vista por mais de um milhão de pessoas, e "Os guerreiros de Xian e os tesouros da Cidade Proibida". Suas exposições foram vistas por 6,5 milhões de pessoas. O envolvimento com as artes levou-o a presidir a Bienal de São Paulo de 1993 a 1998. Mas a passagem pelo mundo cultural nunca foi tranqüila. Em 2000, com a "Mostra do Redescobrimento", enfrentou suspeitas - nunca confirmadas -- de desvio de recursos.

A herdeira do Banco Itaú, Milú Villela, também patrona das artes e diretora do Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp), chegou a brigar com Cid Ferreira por causa de supostas irregularidades. Um grupo de 30 fornecedores da mostra entrou na Justiça contra o então banqueiro alegando não ter recebido pagamento pelos serviços.

Viúvo de Silvana Souza Rodrigues, com quem teve o primeiro filho, Rodrigo, Cid Ferreira se casou com a engenheira civil Márcia Costa, filha do senador maranhense Alexandre Costa, já falecido. Com ela, teve outros dois filhos, Leo e Eduardo.

O Fio da meada

Intervenção foi em 2004

A prisão do ex-dono do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira, é mais um capítulo da história iniciada em 12 de novembro de 2004, quando o Banco Central (BC) decretou intervenção na instituição. Desde outubro daquele ano, rumores sobre a insolvência do banco vinham provocando ondas de saques dos correntistas. Entre outros, os motivos alegados para a intervenção foram a situação econômico-financeira e a deterioração da liquidez.

As primeiras estimativas apontavam rombo de R$700 milhões, mas, depois de cálculos do interventor nomeado pelo BC, Vânio Aguiar, o valor saltou para R$2,23 bilhões. Os saques dos correntistas ficaram limitados a R$20 mil cada para contas à vista e poupança. Ainda em novembro, iniciou-se o processo de reestruturação, que não foi adiante.

Em abril de 2005, o nome de Cid Ferreira voltou às páginas dos jornais, sob suspeita de envolvimento com o argentino Cesar Arrieta, fraudador da Previdência. Segundo as investigações, o Santos havia comprado a Vale Trading, usada por Arrieta para fraudar créditos de IPI. Isso fez com que Cid Ferreira fosse indiciado pela Polícia Federal por crime contra o sistema financeiro. No dia 4 de maio de 2005, o BC anunciou a liquidação extrajudicial do Santos. Na época, o interventor comprovou gestão fraudulenta e entrou com pedido de falência na Justiça.

Em julho daquele ano, a Justiça Federal aceitou denúncia do Ministério Público Federal e determinou a abertura de processo criminal contra Cid Ferreira e 18 ex-diretores da instituição. A denúncia dizia que a gestão do Santos servia para desviar dinheiro para a compra de imóveis e obras de arte. Foram apontados delitos como formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

Segundo a Justiça, deveriam ficar apreendidas obras de arte da casa e dos depósitos mantidos pelo ex-banqueiro. Bens móveis e imóveis também ficaram indisponíveis. Em setembro passado, a Justiça de São Paulo decretou a falência do banco. Em dezembro, a Justiça chegou a mandar o ex-banqueiro desocupar sua casa no Morumbi, mas os advogados dele recorreram.