Título: A OBRIGAÇÃO DE PUBLICAR RESPOSTAS JÁ PUBLICADAS
Autor:
Fonte: O Globo, 29/05/2006, O País, p. 8

Em decisão inédita, Justiça do Rio dá direito de resposta a um quadro de perguntas. E em espaço muito maior que a suposta ofensa

No dia 2 de maio passado, depois de insistentes tentativas de obter respostas de Anthony Garotinho e do governo Rosinha Garotinho sobre o escândalo das ONGs que receberam verbas oficiais e apoiaram a pré-campanha presidencial do ex-governador, O GLOBO publicou, em pé de página, um pequeno quadro com seis perguntas sobre o assunto. No dia 3, o jornal recebeu documento do advogado Sérgio Mazzillo, que representa Garotinho, no qual este dá sua versão sobre os doadores de sua campanha e os contratos do estado com ONGs. Embora fosse uma notificação extrajudicial, sem obrigatoriedade de publicação, o GLOBO decidiu publicar todas as respostas de Garotinho, que ocuparam uma página inteira na edição de 4 de maio. Em muitos dos casos, porém, ele simplesmente fazia acusações e mais uma vez deixava de responder às suspeitas ¿ tanto que elas estão sendo investigadas em inquérito da Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Mesmo assim, o jornal publicou-as na íntegra.

Apesar disso, o governo do estado entrou com uma ação pedindo direito de resposta para responder praticamente às mesmas questões. A decisão sobre o pedido foi tomada pelo juiz da 39ª Vara Criminal do Rio, Ricardo Coronha Pinheiro. Pela primeira vez, e em desacordo com os artigos 29 e 30 da Lei de Imprensa, uma decisão judicial obriga um veículo a publicar uma resposta muito maior (cerca de dez vezes) do que a suposta ofensa.

A decisão do juiz foi cassada pelo desembargador Luis Felipe Salomão, que, argumentando tratar-se o texto do governo do estado de ¿pura propaganda eleitoral¿, não viu no caso uma questão passível de direito de resposta. Houve recurso e o caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na sexta-feira, o ministro Hamilton Carvalhido negou recurso do GLOBO que pleiteava o direito de aguardar o julgamento do mérito, pois está sendo obrigado a publicar direito de resposta por decisão liminar, sem ter direito de se defender dos termos da acusação.

Diferentemente do que afirma Garotinho, desde a primeira reportagem sobre o escândalo das empresas que doaram dinheiro para sua pré-campanha e que têm como sócios também dirigentes de ONGs com contratos com o Estado do Rio, o GLOBO procurou sua assessoria, a direção do PMDB, o governo do estado e as empresas citadas, publicando todas suas respostas. O GLOBO chegou a publicar, na íntegra, três notas do PMDB do Rio e de Garotinho sobre o caso ¿ todas elas contendo agressões ao próprio jornal. Nada disso sensibilizou o Poder Judiciário do Rio. O GLOBO tomou conhecimento da decisão da justiça através da Secretaria de Comunicação do governo do estado, que teve acesso à decisão antes da notificação ao jornal. Embora a decisão seja liminar, e ainda aguarde o julgamento do mérito, o GLOBO se vê obrigado a cumprir a inusitada decisão judicial que de forma inédita concede direito de resposta a um quadro de perguntas.

Resposta do governo do estado

Ao longo dos últimos dias, o jornal ¿O GLOBO¿ vem publicando diversas matérias que trazem questionamentos a contratos celebrados por órgãos e entidades integrantes da Administração Pública Estadual. Deve-se salientar, inicialmente, que a governadora do Estado, Rosinha Garotinho, determinou, através do Decreto nº 39.245, de 02 de maio de 2006, publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro de 03 de maio de 2006, a constituição de uma Comissão Especial, presidida pelo procurador-geral do Estado e integrada por procuradores do Estado a serem designados, à qual caberá analisar, profunda e minuciosamente, todos os contratos firmados pela Fundação Escola de Serviço Público do Estado do Rio de Janeiro ¿ FESP e pela Secretaria de Estado de Saúde, a partir de 1 de janeiro de 2003, os quais tenham sido celebrados com fundamento em dispensa ou inexigibilidade de licitação, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93). A citada comissão tem prazo de 10 dias, a contar da publicação do decreto, para apresentação de relatório, o que demonstra, desde logo, o notório propósito de apurar integralmente os fatos. Todavia, considerando que, por ocasião da publicação das notícias, apontando supostas ilegalidades na celebração dos citados contratos, não foi dada ao Governo do Estado a oportunidade de se manifestar previamente e apresentar dados e argumentos que refutassem as suposições levantadas em tais escritos, faz-se oportuna a divulgação de esclarecimentos preliminares, que, sem prejuízo das atividades da Comissão Especial antes mencionada, certamente trarão luzes aos questionamentos suscitados pelo Jornal ¿O GLOBO¿: 1- Por que o Governo do Rio contratou, com dinheiro público, três entidades não governamentais que têm como dirigentes e integrantes os sócios de empresas que fizeram doações para a pré-campanha do candidato Anthony Garotinho? Cabe esclarecer que as diversas entidades que prestam serviços ao Estado foram contratadas de acordo com princípios da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações), com a prévia apuração de preços de mercado, tendo a escolha recaído sobre a melhor proposta então apresentada, nos termos do art. 26, parágrafo único, da Lei de Licitações, que estabelece rigorosas exigências para tais contratações. 2- Por que a FESP dispensou licitação, na grande maioria dos contratos celebrados com doze organizações não-governamentais para prestar serviços ao Estado do Rio de Janeiro? O fundamento legal para a contratação direta, em tais hipóteses, mediante dispensa de licitação, é o artigo 24, inciso XIII, da Lei de Licitações, que dispõe, textualmente, ser dispensável a licitação ¿na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos¿. As entidades não têm fins lucrativos e suas contratações se deram por preços de mercado, após pesquisa e justificativa de valores. Nada obstante seja indispensável, em tese, o procedimento licitatório, por força do art. 24, XIII, da Lei de Licitações, realizou-se processo de seleção simplificado, tendo sido escolhida a proposta de menor preço dentre as apresentadas por várias instituições. Toda e qualquer entidade sem fins lucrativos pode participar do processo de cadastramento junto à FESP, como se verifica dos termos da Portaria FESP 8.157 de 29 de junho de 2004, publicada no Diário Oficial de 7 de julho de 2004, página 21.A descentralização dos serviços administrativos é uma tendência moderna das administrações públicas em todas as instâncias, federal, estadual e municipal. Essa delegação não é uma prática inaugurada pelo atual Governo do Estado, pois vem sendo estimulada por leis diversas, de que são exemplos, no plano federal, as Leis nº 9.637, de 15 de maio de 1998, que criou as denominadas ¿organizações sociais¿, e nº 9.790, de 23 de março de 1999, que regulamentou as chamadas ¿organizações da sociedade civil de interesse pública¿. Apenas a título exemplificativo, uma breve consulta à página do Ministério da Justiça na Internet (http://www.mj.gov.br) permite verificar que há inúmeras entidades não governamentais, sem fins lucrativos, cadastradas para prestação de serviços do Governo Federal, em diferentes estados brasileiros.Tal prática tem sido utilizada para políticas públicas em diversas áreas e, nos termos dos respectivos contratos, devem observar a obrigatoriedade de sucessivas prestações de contas e de atestação de que os serviços tenham sido prestados. Alguns exemplos de políticas realizadas com esses convênios são (i) as farmácias populares, no total de 19 (dezenove) farmácias em funcionamento em todo o território fluminense, com mais de 400 mil beneficiários cadastrados e R$90 milhões de economia para os clientes da terceira idade; e (ii) a implantação do projeto ¿Emergência em Casa¿, visando ampliar o sistema de atendimento direto ao cidadão morador da capital do estado, o que envolveu a criação de diversas bases operacionais, a disponibilização de ambulâncias, etc.; 3 ¿ Por que uma dessas ONGs ¿ Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Cidadania (CBDDC) ¿ dirigida pelo presidente do PMDB de Petrópolis, Carlos Alberto Lopes, recebeu R$105 milhões para elaborar um diagnóstico sob o setor de saúde, se não tem notório saber sobre o assunto? Diversas entidades cadastradas revelaram aptidão para o desempenho do objeto contratual, dentre elas o CBDDC, que foi ao final contratado por haver apresentado a melhor proposta de preços. A avaliação quanto à habilitação para o desempenho das atividades previstas no contrato é objetiva e foi realizada pelos órgãos competentes. Não há, em quaisquer das reportagens, considerações que ponham em dúvida, de modo igualmente objetivo, os critérios utilizados.Deve-se ressaltar que, de 1999 até hoje, foram nomeados pelo Governo do Estado 14.853 concursados. Desses, 4.356 pediram exoneração posteriormente, sendo a maioria (cerca de 60%) de médicos. Esse contrato não visa apenas ao diagnóstico, mas também ao gerenciamento e à alocação de recursos humanos na rede estadual de saúde, tais como médicos e enfermeiros. Vale dizer que, no período citado, o Governo estadual construiu três hospitais, um em Araruama, outro em São Gonçalo e outro em Itaboraí. Todos esses hospitais foram planejados para serem repassados às Prefeituras correspondentes, mas essas não assumiram esse encargo por dificuldades financeiras, o que motivou o Governo a assumir também seus funcionamentos para não prejudicar a população. 4 ¿ Por que o CBDDC recebeu essa verba se já havia sido condenado a devolver recursos por serviços não prestados para a Fundação para a Infância e Adolescência ¿ FIA na anterior gestão do Governo estadual? Há um equívoco na reportagem publicada, já que a citada condenação deu lugar à celebração de um acordo por parte do Estado do Rio de Janeiro, através da FIA, com a entidade mencionada, com o intuito de que ela pudesse concluir o projeto de um software de envelhecimento de fotos de crianças e adolescentes desaparecidas. Tal acordo foi apresentado à homologação judicial (Processo 99.001.033526-3 ¿ 6ª. VFP), como de direito. A entidade então deu prosseguimento ao desenvolvimento do referido software, compreendendo o envio de servidores do Estado para os EUA, às expensas da entidade, para treinamento em sua operação. O caso demonstra claramente que o Governo do Estado, diante de riscos para a fiel execução do contrato, não hesitou em buscar a devida reparação judicial, tendo optado pela celebração do acordo, considerando que o projeto já estava em adiantado estágio de execução. Cabe reiterar que tais considerações são feitas a fim de que o Governo do Estado possa ter voz e defesa, considerando que a Comissão Especial instituída no âmbito da Procuradoria Geral do Estado, que é instituição permanente a serviço da população fluminense, dotada, pela Constituição do Estado do Rio de Janeiro, de autonomia administrativa, funcional e financeira, já está examinando cada um dos contratos celebrados, de modo a esclarecer, em definitivo, tais questões. Espera-se, portanto, que o Jornal ¿O GLOBO¿, em cumprimento ao que dispõe o art. 30, I da Lei de Imprensa, dê a necessária e devida divulgação a este texto, rendendo justa homenagem à liberdade de expressão e à democracia.