Título: LUZ AMARELA NAS EXPORTAÇÕES
Autor: Henrique Gomes Batista e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 29/05/2006, Economia, p. 15

Apenas 69 empresas já concentram 52% das vendas externas e volume embarcado cai 11%

Ogrande volume de dólares que ingressaram no país devido às exportações está mascarando sérios problemas do comércio exterior: 898 empresas deixaram de exportar no último quadrimestre, 52,2% das vendas estão concentradas em 69 grandes empresas ¿ que ameaçam não renovar seus contratos de exportação por estarem perdendo rentabilidade ¿ e o volume de mercadorias embarcadas caiu 11,12% em abril. Isso significa que o aumento de 6,54% na receita exportada em relação ao mesmo mês do ano passado foi causado apenas pela alta nos preços das commodities. Este cenário, marcado pela forte valorização do real em relação ao dólar nos últimos meses, já faz alguns especialistas acreditarem que o Brasil não vai alcançar a meta de exportar US$132 bilhões em 2006. As projeções giram em torno de US$120 bilhões.

¿ Quem é grande está aumentando a exportação, enquanto os pequenos estão saindo. E isso está acontecendo por causa do câmbio ¿ afirma o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

AEB: câmbio afeta mais manufaturados

As grandes empresas, que venderam mais de US$100 milhões nos primeiros quatro meses do ano, responderam por 52,2% do total dos dólares que entraram no Brasil devido às vendas externas. Esse percentual foi de 45,79% no primeiro quadrimestre de 2005 e era de apenas 32,30% em 2002, segundo o Ministério do Desenvolvimento.

O número de grandes empresas que negociam mais de US$100 milhões por quadrimestre também cresceu, comprovando a concentração das vendas externas: foram 69 neste ano, contra 55 em 2005 e 23 em 2002. Essa concentração tende a ser prejudicial, uma vez que as empresas começam a planejar a não-renovação de contratos no exterior, o que pode afetar o total das vendas brasileiras, o superávit da balança comercial e até mesmo o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto de riquezas geradas pelo país) brasileiro.

¿ Diversas empresas estão dizendo que não pretendem renovar seus contratos. Quando me perguntam o que acho, respondo: resistam o máximo que puderem, pois é ainda mais difícil voltar ao mercado ¿ conta o vice-presidente da AEB.

Segundo Castro, os produtos mais afetados pelo câmbio são os manufaturados, que não têm cotação em bolsa, como ocorre com as commodities. Ele chama a atenção para a queda, nas últimas semanas, da média diária exportada, que está em cerca de US$475 milhões, quando o ideal para se alcançar a meta de US$132 bilhões seria uma média de US$552 milhões.

¿ Se projetarmos as vendas externas para os números de hoje, o total exportado em 2006 seria de US$120 bilhões ¿ diz Castro.

Os dados de abril do Ministério do Desenvolvimento confirmam esses movimentos. No primeiro quadrimestre do ano passado, 13.373 empresas exportaram, número que caiu para 12.475 no mesmo período de 2006. Esta foi a primeira queda na década: o total de firmas exportadoras se igualou ao do primeiro quadrimestre de 2003.

O economista Fábio Silveira, da RC Consultores, destaca que a perda de rentabilidade tem como componente, além da valorização do real, o aumento do custo da mão-de-obra. Os salários foram reajustados em reais e o preço do produto, em dólar, está mais baixo. Sua estimativa de exportações para 2006 é de US$125 bilhões.

¿ É isso o que está tirando muita gente do mercado. Há produtos com preços elevados, como minério de ferro, petróleo, café, açúcar, madeira, papel e celulose. Por essa razão, o quadro não está pior ¿ afirma Silveira.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) alerta para o risco de uma queda nos valores das commodities ¿ que estão sustentando parte das exportações ¿ o que agravaria o cenário.

¿ Os preços médios dos produtos brasileiros estão 12% maiores do que no ano passado, mas estamos em um momento muito confuso, não sabemos o comportamento futuro desses preços, depende muito da demanda externa ¿ afirma Paulo Mol, economista da CNI, lembrando que sinais mais claros do mercado só serão conhecidos em algumas semanas.

`Classe média compra mais importados¿

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) também segue essa avaliação e lembra que apenas três produtos (petróleo e derivados, minério de ferro e soja em grão) são responsáveis por mais da metade (51,5%) do aumento de US$33,6 bilhões para US$39,2 bilhões ¿ mais US$5,5 bilhões ¿ das exportações este ano e que isso se deve ao valor das commodities, que tendem a sofrer com a alta volatilidade do mercado global.

Guilherme Loureiro, economista da consultoria Tendências, destaca que as exportações tiveram um bom desempenho no ano passado e continuam tendo em 2006 graças à demanda mundial. Em sua opinião, as importações deverão crescer a taxas maiores este ano, com a aceleração da atividade econômica. Ele prevê um total exportado em 2006 de US$129,8 bilhões.

¿ É natural a piora da rentabilidade das exportações, mas não se pode dizer que o câmbio está desequilibrado. Mesmo porque quem mais está se favorecendo com o real valorizado é a classe média, que compra produtos importados mais baratos ¿ pondera Loureiro.