Título: URIBE É REELEITO NA COLÔMBIA
Autor: José Meirelles
Fonte: O Globo, 29/05/2006, O Mundo, p. 18

Presidente recebe 62% dos votos, superando estimativas de pesquisas de opinião

Omilagre que a oposição vinha pedindo a Deus não aconteceu: Álvaro Uribe foi reeleito presidente da Colômbia ontem. Ele não só confirmou a expectativa de todo o país como superou nas urnas os prognósticos das pesquisas de opinião mais otimistas. Elas prenunciavam uma votação de 57% a seu favor, e Uribe recebeu 62,23% ¿ superando o índice que tivera ao ser eleito quatro anos atrás. O presidente foi reeleito com 7,3 milhões de votos, de um total de 26,7 milhões de eleitores.

¿ Que Nosso Senhor e a Virgem Maria Santíssima ajudem vocês e que essa grande vitória democrática seja útil a essa grande pátria colombiana ¿ discursou Uribe logo depois da confirmação do resultado final. ¿ Queremos uma nação pluralista, multicolorida, em permanente debate. Uma nação sem exclusões. Queremos uma nação na qual as relações entre empregadores e trabalhadores sejam fraternas, cristãs, na prática.

Mais da metade dos colombianos com direito a votar manifestou a sua indiferença: 57% deles deixaram de ir às urnas. Isso significou um aumento do desprezo à classe política, já que em 2002 o índice de abstenção tinha sido de 53,5%. Já o esquerdista Cesar Gavíria, um juiz que é senador e professor universitário e cuja repentina ascensão no cenário político indicava a obtenção de 19% dos votos, surpreendeu: ele ficou com 22% dos votos. Gavíria usou uma frase de seu escritor preferido ¿ Jorge Luís Borges ¿ para resumir seus sentimentos:

¿ Não nos sentimos derrotados, o que houve aqui foi que alguém recebeu mais votos do que nós. Mas o resultado é mais bem definido por uma frase de Borges: ¿A derrota tem uma dignidade que a ruidosa vitória não merece¿ ¿ disse ele à multidão que, em seguida, passou a repetir em coro ¿dignidade, dignidade¿.

Serpa é derrotado pela terceira vez

Com o resultado obtido, a sua agremiação ¿ o Pólo Democrático Alternativo ¿ soterrou o tradicional Partido Liberal, cujo candidato, Horacio Serpa, ficou com nada mais do que 11,8%. Levando em conta o abandono prévio do outro grupo tradicional, o Partido Conservador ¿ que não teve forças sequer para apresentar um candidato ¿ a Colômbia entra agora numa nova etapa de sua vida política.

¿ A promessa que temos de fazer agora é a de continuar crescendo. Nós quadruplicamos a nossa força em quatro anos (de existência do Pólo). Temos de quadruplicá-la mais uma vez nos próximos quatro anos. Uma coisa é certa: nenhum de nós vai se deixar cooptar pelo governo. Ninguém aceitará uma embaixada, um ministério, um consulado ¿ afirmou Gavíria.

Serpa, derrotado pela terceira vez numa eleição presidencial, praticamente se despediu de sua carreira política. O tom de seu discurso foi o de alguém prestes a se aposentar:

¿ Sou um homem satisfeito depois de quase 40 anos de vida política, pois jamais recebi uma nota de reprovação ou uma sanção. Estou orgulhoso de minha própria vida. Sinto-me com o dever cumprido. O futuro é daqueles que perderam o pouco que tinham ¿ disse Serpa.

Emocionado com os aplausos dos simpatizantes, ele eletrificou o ambiente ao concluir o seu discurso com uma crítica feroz ao vencedor:

¿ Uribe venceu mas não convenceu!

Uma votação sem casos de violência

A votação foi tranqüila, salvo alguns incidentes isolados ¿ como a morte de 13 guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), quando tentavam instalar explosivos numa torre de energia na região de Cali.

O governo colocou 320 mil soldados e policiais nas ruas ¿ 220 mil deles em oito estados onde é grande a presença da guerrilha. Hospitais de todo o país também estavam em alerta desde o sábado.

Em Bogotá, onde havia um contingente de 18 mil homens, a Plaza de Bolívar ¿ no centro antigo, onde fica o Congresso e onde Uribe votou junto com a primeira-dama e os dois filhos do casal ¿ transformou-se na área mais fortificada do país. Ela foi totalmente cercada. Ali estavam instaladas 50 mesas de votação, e para ter acesso a elas, cada um dos eleitores era revistado cuidadosamente por soldados e policiais.

Incidentes de violência não foram registrados naquele perímetro. No entanto, ali surgiu um indício real de que os candidatos oposicionistas tinham razão quando, um dia antes, denunciaram a possibilidade de fraudes.

Ao se apresentar à mesa 33 de votação, a dona-de-casa Marta Gómez levou um susto: o responsável pela zona eleitoral lhe comunicou que ela já tinha votado, embora a senhora não houvesse comparecido ali anteriormente.

¿ Alguém veio aqui e votou em meu lugar! ¿ gritou a mulher, que ficou cerca de uma hora à espera de uma autoridade maior para resolver a questão, mas acabou voltando para casa sem exercer o seu direito.

A história se repetiu em várias outras mesas eleitorais.