Título: SUPREMA INJUSTIÇA
Autor: CLAUDIO DE MELLO TAVARES
Fonte: O Globo, 30/05/2006, Opinião, p. 7

Depois de muitas articulações na Câmara dos Deputados, anuncia-se agora a votação do Projeto de Lei 73/99, que implementa o sistema de reserva de vagas no ensino público brasileiro.

O tema, de si polêmico, tem concentrado o debate em torno de dois pontos, ou argumentos principais. O primeiro, com base na idéia de que a inovação proposta importa em privilégio inconciliável com o princípio da igualdade de todos perante a lei. E, assim, estará instituindo em favor dos menos favorecidos pela fortuna, ou discriminados pela cor da pele, um privilégio, ou uma regalia injustificadamente protecionista.

Tal linha de argumentação, todavia, não resiste a maior exame, porquanto o Projeto de Lei 73/99 não visa apenas senão transformar em política nacional o natural e legítimo anseio de se construir uma universidade mais democrática, por isso que acessível a maior número dos excluídos sociais. Uma universidade capaz de resgatar jovens de classes, raças, ideologias, crenças religiosas e outros confinamentos econômicos e sociais, preparando-os para o mercado de trabalho e o pleno exercício da cidadania.

Em realidade, aí está uma entre muitas iniciativas destinadas a combater o mal das desigualdades sociais, que está na raiz dos maiores e nunca resolvidos problemas brasileiros.

O projeto, deste modo, pode se transformar em instrumento valioso no esforço de superação do problema do não-cidadão, daquele que não participa democraticamente, isto é, em pé de igualdade com os demais, dos bens sociais, que lhe são assegurados, em princípio, pela própria Constituição Federal.

Ao revés de constituir um privilégio injustificado, o benefício da reserva de vagas no ensino público serve de fato ao propósito de corrigir as perniciosas distorções do tratamento igual para desiguais, que, como já advertia desde os princípios do século passado o mestre Ruy Barbosa, acaba por levar à suprema injustiça.

O segundo ponto está em se pré-questionar, desde logo, a constitucionalidade do projeto.

Ora, isso equivale a afirmar que o controle preventivo de constitucionalidade exercido no processo político de elaboração das leis, pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, é ilegítimo, ou inútil. Além do que, no sistema jurídico brasileiro, é o Supremo Tribunal Federal que decide sobre a constitucionalidade, ou não, das normas legais em vigor. Decisão esta que tem efeito vinculante, geral e obrigatório. Enquanto essa manifestação do STF não ocorre, todas as normas gozam da presunção de constitucionalidade.

É preciso enfatizar, finalmente, que a correção das desigualdades é possível, mas para isso é necessário que façamos o que está a nosso alcance, o que está previsto na Constituição Federal, pois somente construiremos uma sociedade livre, justa e solidária quando conseguirmos uma igualdade escolar entre brancos e negros, resgatando essa parcela significativa dos que ainda se desesperam por vencer as dificuldades criadas pelo preconceito e pela incompreensão da própria sociedade brasileira.

CLAUDIO DE MELLO TAVARES é desembargador da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio.

A correção das desigualdades é possível, mas são necessárias algumas iniciativas