Título: O CUSTO COMPENSA
Autor: ADALBERTO CARDOSO
Fonte: O Globo, 30/05/2006, Opinião, p. 7
A avaliação do efeito das instituições trabalhistas sobre o funcionamento dos mercados de trabalho e da economia como um todo ganhou importância renovada nos últimos dez ou quinze anos na América Latina. Uma visão em particular se tornou hegemônica entre nós, recomendando políticas invariavelmente favoráveis à flexibilização da legislação para reativar o crescimento econômico, aumentar a produtividade das empresas e a competitividade. Mas a experiência indica que os resultados alcançados através dessas políticas foram muito diversos e, em vários casos, distantes dos objetivos originais. Além disso, mudanças semelhantes na lei tiveram, muitas vezes, efeitos distintos em cada país e provocaram resultados não antecipados, entre outras razões, por não considerarem a natureza complexa das instituições do mercado de trabalho, por não considerarem, também, que essas instituições não podem ser analisadas isoladamente, descuidando de sua articulação interna, suas funções ambivalentes e os graus reais de cumprimento da lei.
Um dos aspectos negligenciados pela discussão a respeito dos efeitos das instituições trabalhistas sobre a eficiência econômica é o grau de efetividade da lei, isto é, sua vigência real no cotidiano das relações de trabalho. O sistema de regulação do trabalho de determinado país pode ser muito detalhado e rígido em termos formais, mas muito flexível na prática, simplesmente porque os empregadores podem escolher não cumprir o que a lei prescreve, em parte porque os custos de não cumprir são muito baixos.
No Brasil, a interação complexa das várias instituições trabalhistas configura um ambiente propício à evasão da norma pelos empregadores, não por causa da rigidez da legislação, mas devido a mecanismos que configuram incentivos sistêmicos à evasão, ao reduzir os custos de não cumprimento da lei. Nas pesquisas em curso no Núcleo de Pesquisas e Estudos do Trabalho do IUPERJ foram identificados alguns desses mecanismos. Tome-se o "Procedimento Sumariíssimo" na Justiça do Trabalho. Pensado para dar celeridade ao processo trabalhista, vem resultando em acordos em que os trabalhadores são estimulados a abrir mão de direitos já na primeira audiência, tais como parte do FGTS, sua multa e até mesmo salários e férias atrasados. Esse resultado fere o princípio do caráter irrenunciável do Direito do Trabalho e incentiva as empresas a não cumpri-lo durante a vigência do contrato, já que não serão obrigadas a fazê-lo nem mesmo na Justiça. A lentidão do processo trabalhista e a prescrição das penas também joga a favor das empresas.
No caso da Inspeção do Trabalho, entre 1996 e 2003, 300 milhões de trabalhadores foram atingidos pela ação fiscal, segundo dados do Ministério do Trabalho. Porém, apenas 1,17% deles foi registrado sob ação fiscal. Como sabemos que o mercado informal emprega perto de 15 milhões de assalariados sem carteira ao ano, é evidente que a inspeção não incidiu sobre eles, mas sim sobre aqueles empregados em empresas que já assinam a carteira de seus trabalhadores, punidas na margem de suas folhas de pagamento.
Denunciar a rigidez da legislação trabalhista brasileira sem levar em conta o fato de que parte dela simplesmente não é cumprida porque os custos de não fazê-lo são muito baixos ou por vezes nulos é cometer o sério equívoco de tomar o direito pelo mundo a norma legal pelos fatos.
ADALBERTO CARDOSO é professor do Instituto Universitário de Pesquisas e Estudos do Rio de Janeiro (Iuperj).