Título: IMPASSE NO MERCOSUL ATRASA ACORDO COMERCIAL GLOBAL, DIZ UNIÃO EUROPÉIA
Autor: Vívian Oswald
Fonte: O Globo, 30/05/2006, Economia, p. 20

Chefe do Executivo da UE defende maior integração na América Latina

BRUXELAS e BRASÍLIA. O presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, afirmou ontem que o Mercosul está demorando a arrancar. Segundo ele, o bloco vive uma espécie de contradição ao querer uma integração comercial global, quando não é capaz de promovê-la sequer no âmbito regional. Para o chefe do Executivo da União Européia (UE), o acordo global não sai justamente por aguardar os resultados dos entendimentos regionais, o que acaba desencadeando o que chamou de contaminação negativa das duas frentes de negociação.

- O Mercosul está demorando a arrancar. Nós nos permitimos dizer, com base na nossa experiência, que a integração regional é boa. Alguns países vêm pedir abertura para a Europa quando não conseguem se abrir uns para os outros. O Mercosul não atingiu o ponto ótimo de institucionalização - disse a jornalistas brasileiros em Bruxelas.

Barroso, que desembarca no Brasil amanhã para uma visita oficial de três dias, vai mais longe e defende uma integração maior da América Latina. Sem mencionar abertamente os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, que roubaram a cena na Cúpula América Latina e Caribe-UE, em Viena, há duas semanas, criticou as tendências do que chamou de populismo nacionalista na região:

- Isso não é muito bom. Parece um filme que está voltando para trás. A integração regional é forma de superar essas tendências que, a meu ver, dão uma imagem negativa, que não é a imagem da América Latina moderna que todos queremos consolidada. O Brasil, com sua influência regional, pode ser um ator cada vez mais importante para esta América Latina moderna e aberta.

UE espera contrapartidas em produtos não-agrícolas

Embora venha ao Brasil com o objetivo de intensificar o diálogo político com o país, ofuscado nos últimos quatro anos pelos impasses nas negociações do acordo de livre comércio, Barroso não esconde que a economia será um dos pontos importantes da agenda. Antes mesmo de responder às perguntas dos jornalistas, fez questão de tirar da pasta uma série de estatísticas mostrando que a UE é hoje o maior parceiro comercial brasileiro.

Segundo ele, 38% das exportações agrícolas brasileiras se destinam à UE, contra 6% aos Estados Unidos, 8% à China e cerca de 30% para o resto do mundo. De 1988 a 1995, as exportações brasileiras cresceram 3%. Desde então, aumentaram cerca de 93%.

- Parece-me injusta a idéia de dizer que a UE é protecionista. Somos de longe o mercado mais aberto do mundo entre os parceiros. Isso não quer dizer que a UE não pode fazer mais. Ela poderá eventualmente fazer mais, desde que os Estados Unidos e também o chamado G-20, onde está o Brasil, estejam dispostos a fazer mais. As economias emergentes podem fazer mais no que diz respeito aos produtos não-agrícolas. É isso, basicamente, o que pedimos ao Brasil.

Esta é a primeira vez que um presidente da Comissão Européia vai oficialmente ao Brasil. Na verdade, Barroso é considerado um dos chefes do Executivo da UE mais próximos do país. Português, seu pai nasceu no Rio, tem família no Brasil e viaja freqüentemente ao país.

TV digital também está na agenda de Barroso

Em Brasília, Barroso será recebido pelo presidente Lula e pelos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Na agenda do chefe do Executivo da UE, que também vai a São Paulo e ao Rio, estão previstas ainda discussões sobre o padrão de TV digital brasileiro:

- Vamos saber se tomaram a decisão ou não. Continuo a achar que o nosso modelo é o melhor e tem mais condições de se tornar mais global.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem, em seu programa semanal de rádio, que "estão mal paradas" as negociações que entre Brasil e UE para maior abertura no comércio agrícola. Mas Lula disse que tentará fechar um acordo até julho, quando participará de encontro do G-8 (sete países mais ricos do mundo e a Rússia), na cidade russa de São Petersburgo.

Lula admitiu o impasse ao falar do encontro que teve na semana passada com o presidente da França, Jacques Chirac. Na ocasião, Chirac responsabilizou os Estados Unidos pelo impasse nas negociações da chamada Rodada de Doha, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

- Estamos trabalhando para tentar convencer a União Européia de que, se cada grupo assumir um pouco de responsabilidade, poderemos fazer um acordo até o mês de julho. A coisa está mal parada. Se não houver um acordo, haverá um retrocesso muito grande. Os países pobres continuarão ficando mais pobres. E o que queremos? O que queremos é fazer um acordo em que cada um faça uma pequena concessão - disse o presidente.

Ele afirmou ainda que, de um lado, a UE tem que flexibilizar o acesso do seu mercado agrícola para os países em desenvolvimento e para os países mais pobres. De outro lado, os EUA, segundo Lula, "têm que cumprir a sua parte", reduzindo a quantidade de subsídios, sobretudo na agricultura.

COLABOROU Cristiane Jungblut

"Alguns países vêm pedir abertura para a Europa quando não conseguem se abrir uns para os outros. O Mercosul não atingiu o ponto ótimo de institucionalização"

JOSÉ MANUEL DURÃO BARROSO

Presidente da Comissão Européia