Título: Lula propõe unificar carreiras de servidores públicos dos três poderes
Autor: Luiza Damé
Fonte: O Globo, 31/05/2006, O País, p. 4

Distorções salariais são entrave ao projeto, já criticado por sindicalistas

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs ontem a unificação das carreiras dos servidores públicos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A sugestão, rechaçada por representantes dos servidores públicos, foi aceita pelos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, que se reuniram com Lula no Palácio do Planalto.

Na reunião, foi criado um grupo de trabalho com integrantes dos três poderes para formular uma proposta de plano de cargos e salários do serviço público federal, sob a coordenação do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que também participou da reunião no Planalto. O grupo não tem prazo para apresentar a proposta de unificação das carreiras.

Mas o trabalho não será nada fácil. Existem grandes distorções salariais entre servidores do Executivo e também em relação aos outros dois poderes. A média salarial no Executivo é de R$3.361 entre os civis e R$2.610 entre os militares. No Legislativo chega a R$9.230 e, no Judiciário, a R$9.096.

Depois da reunião, Renan disse que a proposta de unificação das carreiras dos três poderes é "uma coisa para adiante". Segundo o porta-voz da Presidência da República, André Singer, ao defender a proposta, o presidente argumentou que isso permitiria evitar distorções e criaria uma carreira mais ordenada do que a hoje existente.

- A idéia é produzir um plano de cargos e salários que valorize o funcionalismo público federal, que possa permitir a constituição de uma carreira unificada, a mais favorável possível, para que o Brasil tenha um funcionalismo público federal eficiente, valorizado e bem- remunerado - disse Singer.

"Deve ser um factóide"

O presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo (que abrange Câmara, Senado e Tribunal de Contas da União), Ezequiel Nascimento, disse que a proposta de unificação de Lula "é um factóide" para desviar a atenção do debate em torno de propostas de reestruturação de algumas carreiras - entre elas a dos servidores da Câmara - em tramitação no Congresso. O servidor disse desconfiar da intenção do presidente ao propor um plano único de cargos e salários para o serviço público federal já que em quatro anos de governo Lula não conseguiu organizar as carreiras do Executivo.

- Eu vejo com muita desconfiança uma proposta dessas, pois até agora o Lula não conseguiu nem organizar as carreiras do Executivo. Deve ser um factóide para impedir a votação de outros planos de carreira em discussão aqui no Congresso. Acho muito estranho que ele, não tendo organizado as carreiras do Executivo, parta para um negócio tão ambicioso - disse Nascimento.

O sindicalista, que é funcionário da Câmara, disse duvidar que a proposta seja efetivamente adotada, pois as diferenças salariais são grandes, inclusive no próprio Executivo. No Judiciário e no Legislativo, a média salarial é superior à do Executivo.

- Tomara que seja uma intenção e não uma jogada eleitoral. Mas eu não consigo ver essa proposta como algo sério - afirmou.

O presidente da União Nacional dos Analistas e Técnicos de Finanças e Controle (Unacon), Fernando Antunes, disse que a proposta de criar um plano de carreira unificado é um artifício para o governo ganhar tempo nas negociações com os servidores. Em nota à imprensa, Antunes indaga a fonte de financiamento do plano, uma vez que ministros do governo Lula têm afirmado que não há dinheiro para pagar aumentos salariais dos servidores:

- Ou será que o presidente pedirá a redução salarial para os outros poderes?

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que participou da reunião no Palácio do Planalto, saiu em defesa da proposta. Mantega disse que a idéia do governo é desenvolver um trabalho sintonizado entre os Poderes. Segundo o ministro, o funcionalismo público precisa ter menos diferenças, para que todos os servidores tenham um plano de carreira e sejam estimulados, sem que haja carreiras muito díspares.

- Às vezes um poder dá um aumento salarial maior e o outro vai atrás. Isso nos causa dificuldades (do ponto de vista do equilíbrio fiscal) - argumentou Mantega.

O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), também defendeu a proposta, argumentando que a intenção é valorizar as carreiras do serviço público. Indagado sobre o prazo em que poderia haver a uniformização das carreiras e quando seriam feitos os reajustes, Aldo destacou que os poderes têm autonomia para oferecer reajustes a seus servidores e que é preciso sempre considerar as condições do orçamento.

- Os servidores estão divididos dentro dos três poderes que têm autonomia para oferecer reajustes. Os três poderes têm preocupação com a valorização das carreiras públicas, mas a referência é o planejamento para que o país, no futuro, suporte o que tem que pagar a seus funcionários - disse Aldo.

COLABORARAM Isabel Braga e Martha Beck