Título: RELATÓRIO APONTA AUMENTO DE MORTES DE ÍNDIOS
Autor: Jaílton de Carvalho
Fonte: O Globo, 31/05/2006, O País, p. 13

Conselho lista 43 assassinatos em 2005; média anual de casos no governo Lula dobrou em relação aos anos FH

BRASÍLIA. Relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgado ontem informa que no ano passado 43 índios foram assassinados, seis a mais do que em 2004. Pelos dados do Cimi, a média de índios mortos no país é de 40,67 por ano desde o início do governo Lula, o que corresponde ao dobro da média dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, calculada em 20,65. O vice-presidente do Cimi, Saulo Feitosa, atribuiu o aumento da violência à demora do governo federal para resolver conflitos fundiários em áreas reivindicadas por índios.

- O governo tem um discurso falacioso de que está demarcando terras, mas isso não corresponde à realidade. A demanda por terra é muito grande e a tendência é o aumento da violência - disse Feitosa durante o lançamento do relatório, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Segundo ele, o governo federal se aliou ao agronegócio e suspendeu a demarcação de terras, principalmente no Mato Grosso do Sul e em Santa Catarina. Pelo relatório, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Pará e Pernambuco estão entre os estados com os com os mais altos índices de agressões e abusos sexuais contra os índios. Só em Mato Grosso do Sul 51 índios, entre eles dez crianças, foram vítimas de tentativa de assassinato. O relatório denuncia também ataques e assassinatos de índios em aldeias da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Segundo o Cimi, o governo Lula tem demarcado uma média de 6 terras indígenas por ano, número abaixo da média das décadas pós-ditatura militar, que era de 14 terras demarcadas por ano. Para Feitosa, o desempenho do governo atual nesta questão é inferior ao do ex-presidente João Figueiredo, último general a comandar o país.

- O governo Lula tem a pior performance de demarcação de terras indígenas no Brasil nos últimos 30 anos - disse Feitosa.

O secretário-geral da CNBB, dom Odilo Scherer, endossou as críticas, embora faça ressalvas sobre os responsáveis pela violência no campo. Para dom Odilo os dados resultam do descaso com que os índios têm sido tratados por décadas e não apenas de falhas do atual governo.

- Se houvesse respeito aos povos indígenas não precisávamos estar vivendo momentos como esse. O relatório do Cimi é um alerta nacional. O Brasil só vai ser um país justo quando tiver feito justiça com seus primeiros habitantes - afirmou.

O Cimi diz que fez o relatório com base em notícias de jornais e registros próprios. O documento indica que dos 60 povos arredios no país (sem contatos diretos com os não-índios), 17 estão ameaçados de extinção. O representante da Anistia Internacional no Brasil, Tim Cahill, presente à solenidade, disse que a violência é acentuada pela fome nas aldeias, principalmente em Mato Grosso do Sul.

- Isso é mais chocante quando sabemos que o combate à fome foi uma questão central neste governo - disse Cahill.

Para Funai, dados estão superestimados

Índios de Pernambuco entraram no auditório para denunciar brigas nas aldeias e encerraram a entrevista coletiva. O presidente da Fundação Nacional do Índio, Mércio Pereira, disse que o Cimi exagerou nos números. Segundo ele, apenas três índios foram mortos nos últimos três anos em conseqüência de conflitos fundiários.

- Os outros foram mortos por brigas entre eles (os próprios índios) e deles com fazendeiros por diversos motivos.

O presidente da Funai disse que Lula atendeu as principais reivindicações de entidades indigenistas: a homologação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, a realização da Conferência Nacional dos Povos Indígenas e a criação da Comissão Nacional de Políticas lndígenas, vinculada ao Ministério da Justiça. Para Mércio Pereira, o Cimi atacando Lula como se o país ainda vivesse sob a ditadura.

Documento também lista ofensas

SÃO PAULO. "Índio vagabundo, índio sujo, índio fedido". Palavras assim partiram de políticos, articulistas e funcionários públicos brasileiros. No total, foram 62 ocorrências de racismo e discriminação contra indígenas entre janeiro de 2003 e julho do ano passado, segundo o levantamento do Cimi. Cerca de 30% delas foram comunicadas ao Ministério Público Federal, mas apenas 10% foram objeto de medida judicial.

Um dos exemplos de políticos que discriminaram indígenas citados no relatório do Cimi foi o ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti (PP-PE). Em abril do ano passado, durante um almoço com empresários paraenses, em Belém, afirmou: "As terras devem ser dadas para quem trabalha e não para os índios, que não pensam em trabalhar porque não aprenderam a trabalhar".

Outro exemplo citado no documento é do ex-diretor financeiro do BNDES Roberto Thimóteo da Costa, que teria afirmado em um seminário que a proteção aos indígenas no país é exagerada e que o cacique Marcos Terena fala inglês e pilota avião, mas, por ser indígena, não paga impostos. Há também a citação de um articulista de um jornal do Piauí, da Academia Piauiense de Letras, dizendo que os "índios são ladrões natos, contrabandistas, criminosos e perversos".