Título: ANALISTAS: SETOR EXTERNO É TRUNFO MAS ÁREA FISCAL IMPEDE 'MELHOR DOS MUNDOS'
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 31/05/2006, Economia, p. 24

Economistas dizem que país está mais preparado para enfrentar crise internacional

BRASÍLIA e RIO. As turbulências que voltaram a agitar os mercados ontem, provocadas pela incerteza em relação à economia americana, representam um grande teste para o Brasil. Na visão de analistas, a economia brasileira não está no "melhor dos mundos" - como definiu recentemente o ministro da Fazenda, Guido Mantega - mas se mostra muito mais preparada para enfrentar crises. Os analistas apontam as contas externas como o principal fator de estabilidade, mas alguns mostram preocupação com a área fiscal.

A comparação com 2002 é inevitável, pela combinação de crise externa com o ano eleitoral. A maioria considera que os fundamentos da economia brasileira estão muito mais sólidos do que naquele ano e prevêem que a turbulência que tumultuou os mercados na semana passada e retornou esta semana não deve afetar a economia brasileira de forma acentuada a curto prazo.

- Este é o primeiro teste para os fundamentos da economia em três anos e estamos passando muito bem. É diferente do melhor dos mundos, falta ainda muita coisa pra fazer, mas o efeito da volatilidade sobre a economia real deve ser irrelevante - diz o economista Octávio de Barros, diretor de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco.

'Problemas fiscais estruturais estão se agravando'

A avaliação que prevalece entre os economistas ouvidos pelo GLOBO é que o país está mais preparado para enfrentar turbulências externas e os efeitos da crise serão passageiros.

- O momento é de cautela, "hora de pedir mesa", como se diz no pôquer, mas não há motivo para estresse - diz Octávio de Barros.

Para o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, da Fundação Getulio Vargas, a situação da economia não é brilhante, mas também não é alarmante. Ele considera que o quadro de 2006 - que também terá eleição presidencial - é bem diferente do de 2002.

- Há menos vulnerabilidade externa e um quadro político mais domesticado, sem grandes desconfianças. Não vamos tirar de letra, mas não estamos tão vulneráveis - avalia.

A preocupação de analistas é com a área fiscal. O governo exibiu em abril um superávit recorde nas contas públicas, mas tem gastado mais no ano eleitoral. A boa performance decorre do aumento da arrecadação e de receitas extras de bancos e estatais, e não do corte de despesas.

Nogueira Batista diz que alguma flexibilização nos gastos públicos é bem-vinda, em especial nos investimentos, mas alerta para o risco de afrouxamento da política fiscal com as eleições. Já o economista Raul Velloso considera que a política fiscal é o grande ponto de incerteza na economia brasileira. Ele vê com preocupação a instabilidade externa, pois considera que a crise pode trazer à tona problemas não levados em conta no período em que a economia mundial vivia em "céu de brigadeiro".

- Há problemas estruturais na área fiscal que estão se agravando, como o aumento dos gastos obrigatórios. E o governo emite sinais confusos de como irá atuar - afirma Velloso.

Já Tomás Málaga, economista-chefe do Banco Itaú, está mais otimista, embora mostre preocupação com a área fiscal. Ele avalia que os fundamentos econômicos estão muito mais sólidos do que em 2002, particularmente pela geração de divisas, e prevê que mesmo com a fuga dos capitais especulativos de países emergentes como o Brasil, não acontecerá nada de significativo com a economia brasileira a curto prazo.

- Não vejo crise a curto e médio prazos, mas nenhum governo toma atitudes para melhorar o gasto público. O crescimento sustentado passa pela área fiscal, que tem avançado muito pouco - afirma.

Investidores acham Estado brasileiro 'muito pesado'

Para Málaga, o principal gargalo do crescimento sustentado é o tamanho do Estado brasileiro. Ele lembra ainda os problemas na infra-estrutura e na segurança, que afastam os investidores.

- Os investidores consideram o Estado muito pesado para o tamanho do país.

COLABOROU Patricia Eloy

"Há menos vulnerabilidade externa e um quadro político mais domesticado, sem grandes desconfianças. Não vamos tirar de letra, mas não estamos tão vulneráveis"

PAULO NOGUEIRA BATISTA JÚNIOR

Economista da Fundação Getulio Vargas