Título: ESTADO DE EMERGÊNCIA NO TIMOR
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Fonte: O Globo, 31/05/2006, O Mundo, p. 31

Ação de gangues armadas agrava situação em Díli e presidente Xanana amplia seus poderes

Com o país correndo o risco de uma guerra civil, o presidente de Timor Leste, Xanana Gusmão, declarou ontem estado de emergência e assumiu poderes especiais. Gusmão passou a controlar as Forças Armadas e a polícia, além de coordenar as tropas estrangeiras no país. O anúncio veio em mais um dia violento na capital, em que gangues armadas com facões queimavam casas e saqueavam prédios de Díli.

O estado de emergência terá a duração de 30 dias e, segundo Gusmão, foi adotado para ajudar a restabelecer a ordem. O presidente disse que a decisão, tomada após dois dias de reuniões do Conselho de Estado, foi alcançada com a colaboração do primeiro-ministro Mari Alkatiri, que de acordo com analistas deverá ter seus poderes reduzidos. Alkatiri é acusado por muitos de deflagrar a atual crise do país, com a demissão de 600 soldados (cerca de 40% da força) que protestavam contra discriminação.

Gusmão disse que assumia a responsabilidade pela segurança do país. O presidente deverá ainda coordenar os serviços de inteligência, além de 2.500 estrangeiros da Força de Paz.

- Um estado de sítio restringiria algumas liberdades, e quisemos evitar isso - disse Gusmão, que no entanto não descartou a possibilidade de adotar a medida no futuro.

A intervenção na crise é considerada uma prova para Gusmão, um ex-líder guerrilheiro visto como um herói da luta de Timor Leste pela independência da Indonésia. Durante anos, ele se manteve distante das disputas políticas, dedicando-se a um cargo quase simbólico.

Brigadeiro admite ser difícil controlar jovens

Enquanto o presidente anunciava a decisão, fumaça emergia de pontos da capital, em meio à ação de gangues ligadas a ex-militares rebelados. Pelo menos 20 pessoas morreram em uma semana, mais de 40 mil tiveram que deixar suas casas e dezenas de prédios e lojas foram queimados.

No centro da cidade, houve tentativa de saque a um armazém onde milhares de pessoas aguardavam a distribuição de alimentos.

- Há dois dias não temos o que comer, apenas algumas frutas das árvores - disse Maria D'almeida, diante do desabastecimento na capital. - Podemos comprar comida. Mas onde?

Foi saqueado o escritório da Procuradoria-Geral - onde eram guardadas provas dos massacres cometidos por milícias pró-Indonésia em 1999. Houve também confrontos entre gangues nos arredores do aeroporto de Díli. Casas e lojas foram incendiadas antes de os grupos serem desarmados por soldados australianos.

As tropas internacionais já recolheram cerca de 400 armas, incluindo rifles, granadas e facões. Mas o chefe da força de paz, o brigadeiro Mick Slater, admitiu que era difícil controlar as gangues de jovens de Díli.

- Estamos patrulhando cada bairro - disse o tenente-coronel Mick Mumford.

Segundo fontes, na mesma reunião em que foram conferidos poderes especiais a Gusmão, foram demitidos os ministros do Interior e da Defesa. Mas o chefe dos militares rebelados, general Alfredo Reinado, disse que uma simples mudança ministerial não seria suficiente. Os líderes dos militares amotinados pediram a demissão do premier:

- O responsável pelos conflitos é Mari Alkatiri - acusou Reinado.

O ministro do Exterior e prêmio Nobel da Paz, José Ramos-Horta, admitiu ontem que o governo decepcionou a população e que mudanças no Gabinete provavelmente ocorreriam.

- Acredito que sejam inevitáveis as demissões por uma razão ou por outra - disse o chanceler, que no entanto deu a entender que Alkatiri permaneceria no cargo. - Precisamos considerar implicações e conseqüências.