Título: PARAMILITARES AINDA SÃO TORMENTO PARA URIBE
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 31/05/2006, O Mundo, p. 33

Presidente anunciou ter desmobilizado grupo, mas chefe de missão da OEA põe em dúvida sucesso da iniciativa

BOGOTÁ. A desmobilização dos paramilitares das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), anunciada pelo presidente Álvaro Uribe - reeleito domingo - como fato consumado, na verdade ainda é um processo em andamento e, por enquanto, sem garantias de êxito total.

Embora 30 mil militantes tenham se apresentado ao governo, entregando seu armamento - até agora foram recolhidas 17 mil armas - há dúvidas sobre a sinceridade de seus propósitos. Isto porque têm sido descobertos esconderijos de armas das AUC no sul do país.

Além disso, sem encontrar o que fazer, ou sem saber o que mais fazer na vida, alguns dos "desmobilizados" - termo utilizado para classificar os paramilitares que aceitaram a proposta de paz - têm formado quadrilhas de delinqüentes comuns, ou trabalhado para cartéis do narcotráfico.

- Ainda há riscos e perigos. O mais importante nesse processo é conseguir que os grupos se desmobilizem seriamente - disse ontem ao GLOBO Sergio Caramagna, um argentino que chefia a Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia (Mapp), criada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

Compromisso de procurar emprego na cidade natal

Aqueles que depõem as armas passam a receber do governo um salário mensal de 358 mil pesos (equivalente a US$150) por um período de 18 meses. Nas AUC, eles recebiam de 800 a mil pesos mensais (de US$335 a US$416). Os militantes se comprometem a voltar às suas cidades de origem e procurar trabalho.

Uma das questões ainda não encaminhadas de forma efetiva é o controle das 36 áreas que os paramilitares dominavam - basicamente no norte e no centro do país.

- É importante que o governo ocupe logo aquelas áreas, pois os guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias de Colômbia) estão de olho nelas e podem expandir seu raio de atuação se as ocuparem - observou Caramagna.

Sociólogo de formação, desde 1990 Caramagna trabalha em missões de paz, inicialmente na América Central. Na Colômbia, chefia uma equipe de 87 observadores que há dois anos vem fiscalizando a desmobilização dos paramilitares. O Brasil é representado no grupo pelo diplomata José Roberto de Andrade Filho, da embaixada em Bogotá.

A desmobilização dos paramilitares mostrou que seu contingente era o dobro do que o governo imaginava. Segundo a Mapp, ainda falta desmobilizar pelo menos outros mil homens.

- Um dos grandes problemas nesse processo é que não sabemos se há mais armas escondidas, se ainda há outros redutos de paramilitares além dos que conhecíamos e se, no fundo, não estão nos tapeando. É claro que há intenção de nos enganar, e por isso temos de estar muito atentos - disse Caramagna.

Ontem, o presidente Uribe anunciou estar disposto a também negociar um acordo de paz com as Farc. Para isso, exige que os guerrilheiros declarem um cessar-fogo. Estes, por sua vez, condicionam o diálogo a uma troca de 59 políticos, militares e civis que seqüestraram por 500 guerrilheiros mantidos em prisões federais.