Título: TIMOR LESTE VOLTA À CALMA APÓS 10 DIAS DE CAOS
Autor: Gilberto Scofield Jr
Fonte: O Globo, 01/06/2006, O Mundo, p. 31

Reunião do Gabinete tentará achar saída para crise, mas líder de ex-militares rebeldes exige demissão de premier

PEQUIM. A crise no Timor Leste terá um dia decisivo hoje, quando o Conselho dos Ministros se reunirá a fim de tentar encontrar uma saída para o caos instalado na capital, Díli, desde que 600 militares expulsos do Exército por insubordinação se rebelaram abertamente contra o governo há 11 dias. Ontem foi o primeiro dia de relativa calma desde o início da crise, que levou dezenas de milhares de moradores a fugirem de Díli, patrulhada agora por tropas estrangeiras lideradas pela Austrália.

A situação ainda é crítica porque até o fim da noite de ontem o primeiro-ministro Mari Alkatiri não havia demitido nem o ministro da Defesa, Roque Rodriguez, nem o do Interior, Rogério Lobato - considerados responsáveis pela escalada da violência na capital - como havia determinado o presidente Xanana Gusmão dois dias atrás.

Reunião do Conselho de Segurança foi cancelada

Uma reunião do Conselho de Segurança prevista para ontem foi cancelada por Xanana, já que os dois ministros têm assento no órgão. Segundo uma fonte ligada à Presidência do Timor, o ministro do Interior reluta em abandonar o cargo.

- Lobato é um homem poderoso e ligado a várias milícias que podem ser instruídas para agir e aumentar a sensação de insegurança gerada pelas gangues que estão ateando fogo a casas, mercados e quiosques - afirmou.

Por sua vez, o premier Mari Alkatiri, também bastante criticado dentro e fora do país por sua condução da crise, não quis dizer se acolherá a recomendação do presidente.

- Ouvi o conselho de Xanana, registrei e vou partilhar isso com os meus colegas do Conselho de Ministros - afirmou ele, dizendo não querer criar obstáculos mas negando estar demissionário ou em disputa de poder com o herói da independência timorense.

A demissão do premier é exigida pelo líder dos ex-soldados rebelados, Alfredo Reinado, como parte de qualquer solução para a crise.

- Ele é um criminoso que não deveria ser autorizado a continuar como primeiro-ministro - acusou Reinado.

O comandante foi expulso pelo premier das Forças Armadas em abril e levou consigo para a rebelião 600 soldados, 40% do total de militares do país, insatisfeitos com o que consideram discriminação de timorenses do lado oeste - de origem indonésia - nas promoções.

Apenas 3 dos 30 professores brasileiros ficam no país

Alkatiri, por sua vez, alimentou a confusão reinante ao afirmar que continua no comando das forças de segurança, em contraste com o anúncio feito pelo presidente Xanana Gusmão anteontem assumindo o controle do Exército e da polícia.

Ontem, Kym Smithies, porta-voz do grupo de 30 ONGs que operam no Timor, afirmou que pelo menos cem mil pessoas já deixaram suas casas com medo da violência. Cerca de 70 mil se encontram nos campos de refugiados em áreas de organismos internacionais, como a ONU, a Cruz Vermelha e ONGs dentro de Díli, onde já falta comida e água. Apesar disso, a calma reinante ontem - houve apenas incidentes isolados - já fez com que centenas de moradores retornassem às suas casas.

Segundo o embaixador do Brasil no Timor Leste, Antonio de Souza e Silva, a maioria dos professores da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, do Ministério da Educação, que ainda estavam em Díli embarcou ontem às 16h para Darwin, na Austrália, em um avião militar do país.

- Ficaram três professores, por razões pessoais. Os brasileiros estão seguros, mas a situação do Timor permanece incerta. Mesmo que o presidente Xanana Gusmão anuncie um novo Gabinete e um novo plano de governo, é preciso aguardar para ver como será a reação da população - afirmou.

Com agências internacionais

Personagens da crise

XANANA GUSMÃO: É presidente do Timor Leste desde a independência em maio de 2002. Ex-dirigente da Frente Revolucionária para a Libertação do Timor (Fretilin), escritor, poeta e pintor, passou vários anos preso na Indonésia e é uma figura carismática, com grande apoio e popularidade entre os timorenses. Assumiu poderes de emergência por um mês, que podem ser estendidos por mais dois.

MARI ALKATIRI: Primeiro-ministro designado pela Fretilin, da qual é secretário-geral, é rival político de Xanana. Ao contrário do presidente, é impopular e sem carisma, o que se deve muito ao fato de ter passado a maior parte dos 24 anos de ocupação indonésia fora do Timor. Além disso, é muçulmano, num país onde 90% da população são católicos.

JOSÉ RAMOS-HORTA: Ex-chanceler, dirigiu no exterior a luta timorense contra a ocupação indonésia (1975-1999). Recebeu o prêmio Nobel da Paz em 1995. Considerado um dos homens de confiança do presidente Xanana Gusmão, culpou Alkatiri pela instabilidade atual do país.

ALFREDO ALVES REINADO: Chefe dos rebeldes, comanda os 600 militares que foram expulsos das Forças Armadas acusados de insubordinação por protestarem contra o que consideram critérios discriminatórios de promoção. Considera-se um patriota leal a Xanana e responsabiliza Alkatiri pela crise, exigindo sua renúncia.