Título: Bate-boca sobre mensalão
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Fonte: O Globo, 02/06/2006, O País, p. 3

Lula desdenha do escândalo e desafia Alckmin, que o chama de cínico e omisso

Um dia depois de negociar o apoio do PMDB com o ex-governador Orestes Quércia dentro do Palácio do Planalto porque ainda não lançou oficialmente sua candidatura à reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu e falou abertamente como candidato em visita a obras de um gasoduto no Amazonas. Desdenhou do mensalão e desafiou o principal adversário, Geraldo Alckmin (PSDB), e a oposição em geral a mostrar no horário eleitoral gratuito na TV cenas das CPIs que investigaram denúncias de corrupção contra seu PT, seu governo e partidos aliados. Disse que não está preocupado, defendendo indiretamente investigados como o ex-tesoureiro Delúbio Soares, e afirmou que não vai reagir: "Não vou responder, nem durante a campanha", disse ele rindo, admitindo a candidatura. Alckmin reagiu chamando de cinismo e bravata o desafio do petista: "Primeiro, tem corrupção na sala ao lado mas ele não sabia. Isso é omissão, que já não é possível. Agora passa da omissão ao cinismo, o que é imperdoável, é mais grave que a omissão. Como dizer que corrupção não tem problema?" Mais tarde, Lula voltou a atacar: "A única coisa que peço é que meus adversários aprendam a perder."

'Quero que eles coloquem lá as torturas que fizeram'

Lula defende indiretamente acusados como Delúbio

MANAUS (AM). Já falando como candidato à reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desafiou ontem o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, a mostrar em seu programa eleitoral cenas das CPIs do Congresso que investigaram denúncias de corrupção envolvendo ex-integrantes do governo e do PT. Ao citar as CPIs dos Correios e dos Bingos, Lula defendeu indiretamente ex-companheiros como Delúbio Soares e Duda Mendonça ao afirmar que as pessoas passaram "por torturas" durante as investigações do Congresso.

Lula citou as CPIs ao ser perguntado sobre as acusações feitas por Alckmin no programa partidário do PSDB, no qual o candidato tucano diz que não convive com a corrupção na sala ao lado. O presidente disse primeiro que não havia assistido ao programa e depois que não podia responder. Mas não resistiu e ironizou, afirmando que Alckmin "não tem jeito de grosseiro".

- Durante a campanha, quero que eles falem o que bem entenderem. Vocês estão lembrados de que eu vetei (o artigo) a lei aprovada no Senado que proibia imagem externa (na propaganda eleitoral) porque quero que eles coloquem CPI na televisão todo dia, toda hora. Quero que eles coloquem lá as torturas que fizeram com muita gente lá. Quero que o povo veja. Está chegando o momento de fazer uma aferição sobre o que aconteceu no Brasil. Não tem problema algum. Pode colocar - disse Lula em entrevista ontem cedo, antes de iniciar a agenda no Amazonas.

O presidente disse ainda que quem parte para a agressão ou baixaria é porque não tem argumentos ou realizações a mostrar:

- Até nem fica elegante ele (Alckmin) ser grosseiro. Ele não tem jeito para ser grosseiro. Não combina com ele. Agora, se as pessoas quiserem ser grosseiras, que sejam. Eu vou continuar do jeito que sou. Não vou responder, nem durante a campanha - disse Lula, admitindo a candidatura.

O petista provocou ainda os tucanos ao dizer que na campanha eleitoral tem o que mostrar e que vai comparar as ações de seu governo com o governo anterior em áreas como educação, saúde, transporte, estradas, ferrovias e energia:

- Eu tenho o que colocar. Na hora em que eu decidir ser candidato, vamos colocar o que fizemos neste país e vamos comparar com eles. Eles ficaram oito anos no governo. E vamos colocar quatro contra oito (anos de governo). Vamos medir e deixar o povo livremente julgar.

Ao ser perguntado se realmente não se importava com a exploração das denúncias investigadas pelas CPIs, Lula foi irônico:

- Do outro lado, eles botam o que eles quiserem. Quem não tem argumento, xinga. Porque o palavrório é bonito quando surge como força de expressão, mas quando surge como única alternativa dos adversários, por não terem como competir em realizações, passam a competir na baixaria. Esse jogo eu não faço. Sei o sacrifício que foi chegar até onde estamos. Não tenho razão para estar nervoso. Se eles estiverem, que fiquem. Vou prosseguir na minha trajetória.

"Em nenhum momento vocês me viram abalado"

O presidente chegou a dizer que nunca ficou abalado com a crise que atingiu o PT e o próprio governo, com a demissão de mais de 50 pessoas, a queda de toda a cúpula de seu partido e a denúncia ao Supremo Tribunal Federal de 40 petistas, ex-autoridades e aliados pela "organização criminosa do mensalão":

- Em nenhum momento vocês me viram abalado, não é verdade?

Mas, lembrado pelos repórteres de que em alguns momentos apareceu abatido e que até chorou em cerimônias públicas, respondeu:

- Sou um chorão de nascença. Choro até com novela - disse, encerrando a entrevista.

Já na última etapa de sua viagem ao Amazonas, ontem à noite, Lula voltou a reagir a Alckmin dizendo que seus adversários têm que aprender a perder e a serem derrotados nas eleições:

- Perdi três eleições para chegar à Presidência e não reclamei de nenhuma delas. Fazia parte do jogo democrático. A única coisa que peço é que meus adversários sejam tão democráticos quanto eu e aprendam a perder, aprendam que um metalúrgico que tem o quarto ano primário e um curso do Senai é capaz de fazer muito mais do que eles neste país.

'Ele passa da omissão ao cinismo, é imperdoável'

Alckmin diz que presidente faz bravata e é abusado

BRASÍLIA. O tucano Geraldo Alckmin classificou de cinismo as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que as CPIs do Congresso fizeram torturas com os investigados. Para o tucano, o desafio de Lula à oposição para que use mesmo as imagens das CPIs "para que o povo veja o que fizeram lá" é uma bravata.

Num café da manhã com jornalistas em Brasília, o candidato do PSDB à Presidência, antes de saber dos ataques do adversário, já tinha chamado Lula de abusado por fazer uso da máquina em sua campanha e negociar apoios como o do peemedebista Orestes Quércia no gabinete da Presidência da República no Palácio do Planalto.

Quanto aos desafios de Lula sobre as CPIs, Alckmin disse primeiro que o presidente petista foi omisso ao ignorar a corrupção praticada por seus companheiros no próprio Palácio do Planalto e que agora está sendo cínico ao dizer que não tem importância a exibição dessa corrupção para o eleitorado e o povo brasileiro:

- Primeiro, tem corrupção na sala ao lado mas ele não sabia. Isso é omissão, que já não é possível. Agora passa da omissão ao cinismo, o que é imperdoável, é mais grave que a omissão. Como dizer que corrupção não tem problema? Omissão pode se justificar, mas cinismo é imperdoável. Isso mostra que eles não aprenderam com a crise e adotam essa postura de cinismo e fazem bravata.

A reunião de Lula com Quércia, que o PSDB também corteja, foi outro motivo dos ataques do tucano. Como Lula não é oficialmente candidato e nem começou formalmente a campanha eleitoral, não está ainda submetido à proibição legal de uso de instalações e transportes da Presidência da República em campanha - o que só ocorrerá após a convenção. Mas Alckmin disse que ele fere o princípio da "razoabilidade jurídica".

- Tenho plena consciência de que o candidato tem os instrumentos e é abusado. Levei um susto quando vi aquela negociação com Quércia ontem (anteontem) no Planalto. A publicidade oficial em horário nobre também tem sido usada escancaradamente como instrumento de uso da máquina -- disse Alckmin, que estava acompanhado de seu companheiro de chapa, o senador pefelista José Jorge.

Alckmin criticou a "legislação torta" que permite a reeleição sem que o ocupante do cargo executivo tenha que se afastar -- ressalvando que com Fernando Henrique Cardoso "foi diferente" -- e defendeu regras mais claras para a campanha da reeleição. Ele próprio disputou a reeleição como governador de São Paulo no cargo. Alckmin não mostrou, porém, disposição para tomar a iniciativa de propor a aprovação de uma emenda constitucional acabando com a reeleição:

- Não é porque tem abuso que se tem que acabar com a reeleição. É um pouco cedo para ter uma avaliação mais acurada. Só tivemos uma até agora. Mas é preciso haver um controle maior dos candidatos que fazem campanha no cargo por parte da sociedade. Quatro anos é um belo mandato. Mas o que o Congresso decidir, está decidido.

"Vamos para o segundo turno", diz tucano

Comparando sua disputa com Lula a "um Fla-Flu", o candidato tucano disse acreditar que a eleição não será decidida no primeiro turno, ainda que o PMDB não tenha candidato. Ele aposta que a candidata do PSOL, Heloísa Helena, pode chegar a ter 10% dos votos no primeiro turno. Somando isso aos candidatos menores e aos pontos que acredita que vai ganhar após o início do horário eleitoral na TV, aposta no segundo turno.

- Vamos para o segundo turno. Basta tirar uns três ou quatro pontos do Lula -- disse.

Antes de voltar para São Paulo, Alckmin se reuniu com João Meirelles, um dos coordenadores de seu programa de governo, cujas bases serão lançadas na convenção do dia 11, em Belo Horizonte. Ele confirmou que uma das prioridades será a segurança pública, com ou sem um ministério específico para a área. Também confirmou a ampliação do programa Bolsa Família:

- O Bolsa Família é um programa nosso, claro que vamos manter.

Alckmin ainda comentou a decepção da Igreja com Lula.

- Eu terei a maioria dos votos do evangélicos. Como o Estado é laico, isso não inviabiliza minha boa aceitação também entre os católicos.