Título: O QUINTO ELEMENTO
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 05/06/2006, Economia, p. 16

Figura de Chávez transforma em polêmica a adesão da Venezuela ao Mercosul

Aentrada da Venezuela no Mercosul, prevista para o próximo mês de julho, divide opiniões, devido à figura explosiva e polêmica do presidente venezuelano Hugo Chávez. Tido como impulsivo e autoritário por admiradores e adversários, Chávez poderia ser um contrapeso ao tamanho do Brasil no bloco e ainda dar um componente político à união aduaneira, em detrimento das relações econômicas e comerciais. Por outro lado, ter a Venezuela em uma área de livre comércio ¿ o que deverá ocorrer em até quatro anos ¿ significa agregar um país com um Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de US$120 bilhões, rico em reservas de petróleo e gás natural e que desperta a cobiça de investidores e empresários brasileiros de diferentes áreas.

Por trás de Chávez, há um país de 26 milhões de habitantes que se beneficia dos petrodólares que abastecem os cofres públicos venezuelanos há, pelo menos, oito anos, graças aos constantes aumentos do preço do petróleo no mercado internacional. A projeção do governo brasileiro é que, com o quinto sócio, o Mercosul vai aumentar sua participação no PIB da América Latina de 54% para 76%. O bloco se tornaria, portanto, um grande produtor mundial de alimentos, energia e manufaturas.

¿ Nós vamos dar um grande salto, especialmente o Brasil ¿ afirma o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Venezuela, José Francisco Marcondes.

Mercosul passa por momento de tensão

Do ponto de vista político, no entanto, o ingresso de Chávez no Mercosul traz um futuro incerto e tem interpretações diversas e apaixonadas ¿ que não encontram consenso nem mesmo dentro do governo brasileiro. Ao analisar o pedido da Venezuela para entrar no bloco, o Itamaraty abraçou a tese de que, com Chávez no Mercosul, fica mais fácil controlar seus arroubos e sua ambição de se sobrepor ao Brasil como líder na região. Alguns técnicos do governo, entretanto, alertam para o risco de o presidente venezuelano estar usando o Mercosul apenas como trampolim para ampliar sua recém-criada Alternativa Boliviariana para a América (Alba), que tem como signatários, ainda, o boliviano Evo Morales e o cubano Fidel Castro.

¿ Em termos objetivos, o sentido da entrada da Venezuela no Mercosul é duvidoso. Eu não acho que ela seja interessante para o Brasil. Mesmo porque Chávez já disse que quer fazer do Mercosul um muro contra os Estados Unidos. Temo que haja excessiva politização do bloco ¿ alerta o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, presidente do Conselho Empresarial de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

O fato é que o Mercosul passa por um momento difícil, marcado por um clima de tensão. Uruguai e Paraguai se dizem insatisfeitos com o bloco e não têm constrangimento algum em demonstrar que correriam para um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, se os americanos os chamassem. Além disso, uruguaios e argentinos protagonizam a ¿guerra das papeleiras¿, assim chamada a disputa em que a Argentina tenta impedir, a todo custo, a instalação de duas fábricas de celulose na fronteira com o Uruguai.

¿ Num momento como o atual, não seria bom um sócio tão polêmico e agressivo como Chávez ¿ alerta Lampreia.

Sônia de Camargo, professora de Relações Internacionais da PUC/Rio, afirma, por sua vez, que ainda é cedo para se saber com segurança o que acontecerá com o ingresso do novo sócio. O impacto sobre o Mercosul, segundo ela, será sentido dentro de cerca de cinco anos.

¿ Chávez terá tempo para mostrar a que veio e o Mercosul também terá tempo de voltar atrás, se for o caso ¿ destaca Sônia.

Economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Lúcia Maduro lembra, contudo, que assim que Chávez assinar o protocolo de adesão ¿ o que acontecerá durante a próxima cúpula de presidentes do Mercosul, que será realizada em Buenos Aires ¿ a Venezuela assumirá a condição de Estado-parte do bloco, com todos os direitos e as obrigações dos demais sócios. E isso vale, inclusive, para a agenda externa do Mercosul:

¿ A assinatura do protocolo em julho já credenciará o país a integrar as delegações do Mercosul nas negociações com terceiros.

Comunidade andina acabou esfacelada

A questão é: como Chávez se comportará nas negociações internacionais como membro do Mercosul? O que se sabe é que, ao decidir pela adesão ao bloco do Cone Sul, o presidente da Venezuela causou o esfacelamento da Comunidade Andina (CAN), que já estava dividida por causa dos acordos de livre comércio firmados por Colômbia e Peru com os Estados Unidos.

E, dizem analistas, é bom lembrar que Chávez entrou para um Mercosul em crise, abalado pelas assimetrias econômicas entre os quatro países. Um bloco em que Brasil e Argentina, adversários históricos em termos de pendências comerciais e vôos mais altos na política externa ¿ tornaram-se, atualmente, grandes aliados. Uma fonte do governo brasileiro acredita que, se não houver cuidado, Chávez se aliará a paraguaios e uruguaios, para adequar o Mercosul às suas pretensões.