Título: BOCA-DE-URNA CONSAGRA GARCÍA
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 05/06/2006, O Mundo, p. 19

Segundo pesquisa, ex-presidente venceu Humala no segundo turno da eleição no Peru

Ele governou o Peru entre 1985 e 1990 e entregou o poder a Alberto Fujimori (1990-2000) em meio a uma grave crise econômica e envolvido em escandalosos casos de corrupção. Ontem, depois de uma tumultuada campanha eleitoral, os peruanos decidiram dar uma nova chance a Alan García, eleito pela segunda vez presidente com 52,7% dos votos, de acordo com uma pesquisa de boca-de-urna divulgada pela empresa de consultoria Apoyo, com base no sistema de contagem rápida.

Segundo a Transparência (que também utiliza o sistema de contagem rápida), García obteve 52,4%. O líder do Partido Aprista Peruano (Apra) derrotou o candidato nacionalista e fundador do movimento União pelo Peru (UPP), Ollanta Humala, que obteve 47,3% dos votos de acordo com a Apoyo e 47,6% na contagem da Transparência. O resultado representa uma vitória para o Apra, mas também a consolidação da liderança de Humala, que em algumas regiões ¿ como Cuzco, Arequipa e Ayacucho ¿ conquistou entre 60% e 80% dos votos.

¿ Escutamos a mensagem do povo. O governo que queremos é um governo de diálogo e abertura. Estou convencido de que nenhuma pessoa e nenhum partido pode fazer sozinho o que os peruanos precisam. Vou convocar todos os partidos e todos os peruanos ¿ afirmou García à noite, na sede do Apra no bairro de San Isidro.

O presidente eleito se dirigiu especialmente às regiões que votaram em massa em Humala.

¿ Aos eleitores do sul (região mais pobre do país) que não favoreceram com seus votos minha candidatura, digo-lhes que isso não significa um abismo entre meu governo e as necessidades profundas de compensar as desigualdades que existem entre as regiões de nosso país ¿ declarou García.

Mensagem aos eleitores do rival

García fez questão de enviar um duro recado também ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que apoiou abertamente a candidatura de Humala. Sem se referir nominalmente a ele, afirmou:

¿ O único derrotado de hoje não tem documento peruano. Ele quis nos arrastar com seu dinheiro sujo (do petróleo) mas a democracia peruana lhe disse não.

Já Humala agradeceu a seus seguidores o apoio e deixou claro que o movimento fundado por ele há pouco mais de um ano chegou para ficar:

¿ Quero expressar meu agradecimento ao povo peruano pela histórica vitória social e política neste processo eleitoral. A esperança se impôs ao medo. Hoje começa a grande transformação de nosso país.

O candidato afirmou ainda:

¿ Sabemos que será difícil. Precisaremos da participação e do compromisso de todos. Somos a primeira força parlamentar (com 44 congressistas) e ganhamos na maioria das regiões do Peru.

Embora não tivesse ainda em suas mãos o resultado do Escritório Nacional de Processos Eleitorais, Humala se posicionou como líder de oposição e, assim, admitiu a derrota na eleição presidencial.

¿ Convocamos a formação da Frente Nacionalista Nacional e Popular para rejeitar o modelo econômico neoliberal e defender a justiça social ¿ enfatizou.

Longe da euforia que predominava no país quando o líder aprista foi eleito presidente pela primeira vez, hoje o Peru está dividido. O novo presidente não só não terá direito a lua-de-mel com a população como deverá governar desde o primeiro dia com um Congresso fragmentado. Somados, os parlamentares do UPP e da fujimorista Aliança para o Futuro (AF) superam a bancada do Apra.

Para Humala ¿ um ex-militar que liderou uma fracassada tentativa de golpe em 2000 e em abril do ano passado lançou o movimento UPP ¿ o resultado da eleição de ontem representa a consolidação de uma liderança alternativa, que conseguiu construir uma expressiva base de apoio popular. Nos distritos mais humildes de Lima, como San Juan de Miraflores, seus eleitores votaram ontem com forte expectativa.

¿ Vivi o governo de Alan García, lembro das filas quilométricas para comprar leite, minha infância ficou marcada pela hiperinflação. Humala é militar, sabe o que é a pobreza porque no Peru os militares são pobres ¿ comentou o eletricista Jesús Robles, de 37 anos.

No outro extremo da capital peruana, no bairro de Miraflores, zona nobre da cidade, a dona de casa Magda Lidia Mendoza, de 55 anos, votou em García:

¿ Sou aprista de coração e ele merece uma segunda chance ¿ afirmou ela.

No trajeto de San Juan de Miraflores para Miraflores, pode ser observado um dos símbolos do fracasso de García em seu primeiro governo: um trem elétrico que nunca foi terminado e há 16 anos é considerado um monumento à corrupção do governo aprista. Mas nada disso parece ter importado à maioria dos peruanos ontem. Nem os fantasmas da hiperinflação, nem as denúncias de corrupção, nem a incompetência para governar. García ressurgiu das cinzas e foi eleito pela segunda vez. O novo presidente terá cinco anos para provar que merecia uma segunda oportunidade.