Título: NOVA QUADRILHA NA SAÚDE
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 03/06/2006, O País, p. 3

Devassa em convênios para compra de ambulâncias revela à CGU mais pistas de fraudes

Depois de participar da primeira etapa da Operação Sanguessuga, que já levou à prisão 48 pessoas e pôs sob suspeita mais de 170 parlamentares, a Controladoria Geral da União (CGU) começou esta semana uma devassa de três mil convênios de compras de ambulâncias supostamente fraudadas. Técnicos da controladoria descobriram indícios de que uma segunda quadrilha, ainda maior do que a máfia dos sanguessugas, também montou um esquema de desvio de dinheiro público a partir da venda de ambulâncias para prefeituras em todos os estados.

A nova frente de investigação pode aumentar ainda mais o número de deputados e senadores suspeitos de envolvimento com fraudes na saúde. Análise preliminar da CGU indica que as compras de muitas ambulâncias desta segunda leva de convênios também eram financiadas com verbas reservadas por emendas de parlamentares ao Orçamento da União. A Polícia Federal e até o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) já foram acionados para intensificar a apuração dos sanguessugas de segunda geração.

¿ Tudo indica que estamos chegando a uma outra quadrilha além daquela coordenada pela Planam ¿ afirmou o ministro da controladoria, Jorge Hage.

A Planam é uma das 20 empresas ligadas à família de Darci José Vedoin, preso e apontado pela Polícia Federal em Mato Grosso como chefe do grupo batizado de sanguessugas. Segundo Hage, a nova organização seria composta por outras empresas aparentemente sem relação direta com a Planam. Embora tenham participado de licitações em vários estados, algumas dessas empresas estão sediadas em Porto Alegre. Aparentemente maior que o grupo da Planam, a quadrilha dos novos sanguessugas atuava em âmbito nacional.

¿ O esquema acontece em praticamente todos os estados do Brasil ¿ disse Hage.

Quadro devastador de corrupção

A controladoria chegou ao novo grupo de fraudadores a partir da análise de 300 contratos de compra de ambulância, depois de a Operação Sanguessuga ter vindo a público. Os fiscais descobriram indícios de irregularidades em 90% dos 300 contratos. Diante do cenário de fraudes generalizadas, decidiram recolher em caráter de urgência mais três mil prestações de contas de compras de ambulâncias que estavam guardados em escritórios do Ministério da Saúde em vários estados. As análises definitivas só serão concluídas em, no mínimo, dois meses. Mas as informações iniciais mostram um quadro devastador de corrupção com verbas destinadas ao atendimento de quem precisa da rede pública de saúde.

Segundo Hage, já foram detectados casos de superfaturamento de até 100% do valor das ambulâncias. Os técnicos descobriram ainda venda de ambulâncias usadas como se fossem zero quilômetro. Entre as fraudes mais comuns também estão a simulação de licitações com empresas de fachada e até a montagem de microônibus com peças de origens diversas. As fraudes com carros são consideradas tão grosseiras que a CGU sugeriu a participação do Denatran para ajudar na apuração. Em alguns casos, prefeitos teriam fracionado o valor da compra para escapar da necessidade de fazer licitações públicas. Parte desses negócios era financiada com recursos de emendas parlamentares.

¿ As operações são feitas nos mesmos moldes, a tipologia das fraudes é a mesma (das fraudes dos sanguessugas) ¿ afirmou Hage.

Convênios de 2000 a 2005 sob análise

A controladoria está analisando convênios firmados pelas prefeituras com o Ministério da Saúde de 2000 a 2005. Mas o ministro acredita que as irregularidades são ainda mais antigas. Segundo ele, as fraudes só estão aparecendo agora porque o governo federal decidiu pela primeira vez, por meio da controladoria, fiscalizar aplicações de recursos repassados às prefeituras. Hage argumenta que os governos anteriores não tiveram essa preocupação.

¿ Só se começou a fazer este controle em 2003, no início do governo Lula. Tudo o que estamos descobrindo agora estava aí desde sempre. Nenhum governo anterior jamais acompanhou a aplicação de recursos federais.

O governo ainda não tem um cálculo dos valores desviados. Mas sabe que as somas não são nada desprezíveis. O governo federal repassa mais de R$100 bilhões para as prefeituras por ano. Hage lembra ainda que a controladoria já descobriu fraudes em aplicação de verbas de todos os setores e não apenas da saúde. Desde que começou a fazer auditorias em municípios escolhidos a partir de sorteio, a controladoria tem identificado irregularidades em mais de 70% dos contratos firmados pelas prefeituras com verbas federais.

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