Título: A OPÇÃO COLOMBIANA
Autor: DÉBORA THOMÉ
Fonte: O Globo, 03/06/2006, Opinião, p. 7

AColômbia realizou ¿eleições plebiscitárias¿ no último domingo: na prática, os colombianos apenas disseram se queriam ou não seguir sendo governados pelo presidente Álvaro Uribe. A vitória foi retumbante: 62% dos votos. Uribe se reelegeu, como está sendo repetido nestes tempos de pânico no Brasil em relação à violência, por causa de sua política de combate ao crime e pelo processo de paz que vem desenvolvendo. Indo à Colômbia, tem-se a certeza de que a opção dos eleitores faz sentido; o país hoje tem índices de criminalidade muito menores; parece e é mais seguro do que em outros tempos. Por outro lado, com policiais e exército ostensivos nas ruas, ele ficou com um jeito de nação sob uma ditadura militar, ainda que não o seja. O presidente, governadores, prefeitos andam fortemente acompanhados do Exército onde quer que decidam ir. Foi uma dolorosa e necessária opção.

Mesmo com toda essa política de combate, o tráfico continua existindo no país. É o rendimento vindo dele que sustenta as duas forças da guerra civil: as Farc e as Autodefesas Unidas da Colômbia. Isso sem falar no varejo da droga, desorganizado de certa forma, que conhecemos muito bem por aqui, e no agricultor que planta coca e recebe bem por uma planta que quase não lhe dá trabalho de cultivo, nem gasto. Um estudo famoso do Banco Mundial sustenta que, muito mais que ideologia, o que movimenta os conflitos violentos em qualquer lugar do mundo é o dinheiro. Ou seja, enquanto o negócio for lucrativo, ninguém consegue acabar com ele. Para completar, quanto mais desorganizado for um Estado, mais fácil de um negócio ilegal prosperar.

No livro ¿¿Cuanto cuesta matar un hombre?¿, recém-lançado na Colômbia, seu autor, o jornalista José Alejandro Castaño, conta que a malfalada Medellín foi conivente por anos com o crime por uma única razão: ele levou prosperidade financeira à cidade. Em Medellín, existe algo semelhante às nossas favelas: as comunas, que são outra parte do problema. Nelas, há tráfico de drogas no varejo, disputa por poder. Hoje, dizem, as comunas estão um pouco mais calmas depois que um grupo mais forte passou a ter o monopólio da criminalidade. Os índices são melhores agora, o que é ótimo, mas muitos dramas, que, obviamente, atacam os mais pobres, persistem.

Durante muito tempo, a pergunta que mais se ouviu no Rio de Janeiro, quando se tratava de violência, era ¿quando viraríamos uma Colômbia?¿ Curiosamente, o Rio de Janeiro é também o referencial de Medellín, que hoje comemora ter menos homicídios em números absolutos que a cidade maravilhosa. Certamente os colombianos estão no caminho para momentos mais tranqüilos, mas ainda longe de tempos de paz, com um narcotráfico menos poderoso.

A Colômbia e o Brasil se parecem, sim, em muita coisa. Dessa forma, o sucesso no combate à violência no país aparece sempre como aquilo que podemos fazer para resolver todos os nossos problemas. Porém, é bom ter bem claro que a realidade deles ¿ e a nossa ¿ é mais complexa, as diferenças entre os dois são grandes. A Colômbia é um país que vive em guerra há muitos anos. As Farc, por exemplo, já têm mais de 40 anos e vários seqüestros e atentados no currículo. O Brasil não é assim. Aqui, por mais que um bandido use argumentos ideológicos para atos criminosos, de um modo geral, eles aparecem a posteriori ¿ são a desculpa, não a causa. O que é mais parecido com o que se passa no Brasil é o que hoje acontece nas comunas de Medellín.

Não é novidade que, pelo menos nos últimos 100 anos, preocupamo-nos muito mais com o que se passava na Europa do que com o que acontecia nos países vizinhos, com exceção da Argentina. Agora o foco mudou e começamos ¿ finalmente e felizmente ¿ a ver as semelhanças. Elas existem e podem nos ajudar a encontrar pistas, mas não há estrada fácil, nem pré-fabricada; as histórias dos países têm suas diferenças. A Colômbia fez opções caras, adequadas às suas necessidades. É uma boa notícia de que há saída, mas não responde qual a melhor saída. Quanto a isso, o Brasil terá que encontrar as suas próprias respostas.

DÉBORA THOMÉ é jornalista.