Título: UM LUCRO ENCORPADO
Autor: Luciana Frões
Fonte: O Globo, 03/06/2006, Economia, p. 35

Importadores de vinho vêem forte potencial no Brasil e megaeventos movimentam setor

OBrasil é o terceiro país em variedades de vinhos disponíveis no mercado, dividindo a posição com EUA e Inglaterra. O curioso é que, ao contrário de seus parceiros no ranking, o brasileiro bebe pouco vinho, em torno de 2,1 litros anuais per capita, quantidade irrisória se comparada com europeus, por exemplo, que chegam fácil os 60 litros anuais por cabeça. Apesar da timidez dos números, os importadores estão certos de que o mercado brasileiro só tende a crescer. Tem sido assim nos últimos cinco anos. E o dólar baixo dos últimos meses só tem ajudado as importações.

¿ Enquanto aqui cresce, na Europa o consumo se estabilizou e até caiu. O relevante nesses números é que o brasileiro está substituindo os vinhos de garrafão (inferiores) por vinhos finos ¿ afirma o enófilo Paulo Nicolay, que assina cartas de vinhos de restaurantes como Porcão, Zuka e Sushi Leblon.

O Brasil tornou-se alvo não só dos hermanos argentinos, chilenos e uruguaios, como também de produtores europeus, como é o caso de Portugal, que tem no Brasil o seu terceiro maior mercado importador. No ano passado, o brasileiro consumiu 1,069 milhão de litros da terrinha. Este ano, só nos quatro primeiros meses, bateu 1,525 milhão, ou seja, 42,6% a mais.

Cláudio Moreira, da importadora Barrinhas (responsável pela comercialização do vinho português mais vendido no país, o Porca da Murça), vê no crescimento um resultado do alto investimento feito pelas vinícolas lusas.

¿ O vinho português hoje é moderno e tem uma relação qualidade e preço excepcional. Além disso, fazemos vinhos especiais para o Brasil, como é o caso do Grandjó, cujo paladar é do jeito que o brasileiro gosta ¿ diz Moreira.

Mesmo com a melhora dos vinhos nacionais, pelos dados da União Brasileira de Vitinicultura (Uvibra) dos 21.653.061 litros de vinho comercializados em 2005, 57,5% eram importados. Em 2000, o Brasil importou 2,7 milhões de litros da Argentina. Hoje, são 10,2 milhões. Do Chile, de 5,5 milhões de litros passou para 11,1 milhões. E de vinhos sul-africanos, de 2001 para 2005, a importação cresceu de 42 mil para 407 mil litros. Quase dez vezes em quatro anos.

¿ O consumo de vinhos movimenta a economia, gera empregos, com realização de feiras, cursos, eventos de harmonização (combinação dos vinhos com a gastronomia) ¿- avalia Maurício Kaufmann, da Grand Cru, uma das maiores importadoras de vinhos do país.

Entre o mês de maio e começo de junho, quatro megaeventos do setor aconteceram no Rio e São Paulo, todos com números superlativos. Só a Exponivis, em São Paulo, reuniu 250 expositores e mais de dez mil visitantes nos três dias de feira. A Wines of Argentina, no Copacabana Palace, com 30 expositores presentes, mesmo sendo um evento mais fechado, somou 800 visitantes. O Hamoniza Rio, evento tipicamente carioca, lançado esse ano, parceria da importadora Paralelo 30 e um pool de restaurantes do Rio, foi um sucesso. Perto de 600 pessoas se dispuseram a pagar R$120 para degustar vinhos de várias procedências.

¿ O carioca não está só bebendo mais vinho. Ele está bebendo melhor o vinho. Já conhece cortes, castas, harmonias ¿ diz o empresário Marcos Mello, um dos sócios da Paralelo 35, presente em 350 restaurantes do país.

O sommelier André Vasconcelos, do restaurante Gusto D¿Oro, que conta com uma adega para duas mil garrafas, diz que a postura do cliente hoje é outra:

¿ Antes, eles pediam ajuda. Hoje isso já não acontece. Eles já chegam sabendo o que vão beber.

O encontro Mistral, que terminou ontem, no Sofitel, é dos mais expressivos do calendário, com edição também em São Paulo. Vieram 80 produtores de 12 países diferentes. Do polêmico alsaciano Jean-Michel Deiss, um dos maiores defensores do terroir francês, a Noemia D'Amico, a brasileira que comanda a vinícola italiana D'Amico.

¿ O melhor dos encontros é poder degustar o vinho ao lado do produtor ¿ diz o dono da Mistral, Ciro Lilla.

Segundo Maurício Kaufmann, o Rio representa 20% do faturamento total da Grand Cru. Para ele, o Harmoniza Rio pode ser uma versão de Fashion Rio do vinho:

¿ A partir de agora, está dada largada para a alta temporada de harmonizações pela cidade.

O diretor Comercial da Impexco, Luiz Eduardo Arroxellas de Carvalho, reforça o potencial de crescimento do mercado nacional:

¿ Se hoje o país chegasse a consumir quatro litros per capita não teríamos vinhos no país, e talvez até no mundo, disponíveis. Isso abalaria o mercado.