Título: Depois da denúncia, deputados colocam freio na farra da gasolina
Autor: Maria Lima
Fonte: O Globo, 04/06/2006, O País, p. 4

Para comprovar despesa, políticos agora usam notas de outros serviços

BRASÍLIA. A partir da denúncia de abusos em gastos com gasolina, feita pelo GLOBO no mês de abril, os deputados que lideravam o ranking dos maiores gastadores, com despesas de R$40 mil a R$60 mil só com combustíveis no primeiro trimestre deste ano, não usam mais essa justificativa para receber a verba indenizatória de R$15 mil mensais. Mudou tanto que a maioria, segundo as notas fiscais apresentadas em maio para o recebimento da verba, não gastou nem um tostão com gasolina. Os deputados apresentam agora notas fiscais de outros produtos e serviços supostamente contratados.

O deputado Francisco Rodrigues (PFL-RR), que de janeiro a março apresentou à Câmara notas justificando gastos de R$60 mil só com gasolina, nos meses de abril e maio não pediu um centavo de pedido de ressarcimento da verba indenizatória para este tipo de despesa.

Em abril, depois da denúncia do GLOBO de que eram grandes as evidências de uso de notas frias para justificar gastos com combustíveis, a Mesa da Câmara se reuniu e decidiu limitar em R$4,5 mil esse tipo de despesa. Em contrapartida, a Corregedoria da Casa arquivou o pedido do presidente Aldo Rebelo para que se investigasse a denúncia de uso de nota fria pelo deputado Francisco Rodrigues. A alegação é de que não há como checar a autenticidade da nota.

¿ Eu usava o valor total de R$15 mil por mês com combustível, mas depois daquela matéria complicou muito pra mim e para outros deputados. Eu continuo tendo o mesmo gasto com combustível, mas estou pagando do próprio bolso. Agora vai ficar muito difícil justificar com nota os outros gastos ¿ afirmou Rodrigues, que mandou sua defesa por escrito à Corregedoria e aguarda o comunicado da Mesa sobre o arquivamento do caso.

Deputado do PMDB: ¿Apanhei demais com a denúncia"

Ficou claro, no levantamento das últimas prestações de contas, que os deputados estão receosos de continuar a farra da gasolina. Mas muitos reforçam notas com outros itens, como locomoção/hospedagem/alimentação. O deputado Gervásio Oliveira (PMDB-AP), por exemplo, disse que gastou R$45 mil com combustível no primeiro trimestre, e em abril continuou torrando os R$15 mil da verba indenizatória com esse item. Mas em maio, depois da decisão da Mesa, transferiu o gasto total, os mesmos R$15 mil, para locomoção, hospedagem e alimentação.

O deputado Marcelino Fraga (PMDB-ES), o segundo do ranking de maiores consumidores de combustíveis da Câmara, com gasto de R$54,2 mil no primeiro trimestre, diz que não vai usar a verba indenizatória nunca mais, porque apanhou demais depois da denúncia.

¿ Eu apanhei tanto desse troço aqui no estado, que resolvi não pedir ressarcimento de nada. Acho que não vou usar nunca mais um centavo dessa verba indenizatória. Estou pagando do meu próprio bolso (as despesas no estado) ¿ diz o deputado capixaba.

Comportamentos como esses podem gerar economia, ainda impossível de ser mensurada, para os cofres públicos. Mas o ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) não está satisfeito com a eventual redução de custos. Ele vai encaminhar ao presidente Aldo Rebelo um pedido para suspensão total dos ressarcimentos da verba indenizatória a partir de julho, quando começa a campanha eleitoral.

Biscaia vai propor mais rigor com verba na campanha

Antonio Carlos Biscaia alega que esse dinheiro, disponível exclusivamente para despesas comprovadas nos estados, põe os atuais deputados em situação de vantagem diante dos demais candidatos sem mandato que disputam uma vaga na Câmara. Ele argumenta que pelas novas regras da lei eleitoral, qualquer gasto não contabilizado pode ser considerado caixa dois, ou crime eleitoral passível de perda do mandato.

¿ Qualquer candidato tem que declarar gastos com locomoção, combustível e aluguel de comitês como gasto de campanha, senão é caixa dois. Se o deputado declarar isso para a Justiça eleitoral, não pode apresentar nota à Câmara para pedir ressarcimento. Senão isso pode ser interpretado como se a Câmara estivesse pagando a campanha do deputado ¿ acredita Biscaia.

Vão assinar o mesmo pedido a ser encaminhado a Aldo Rebelo os deputados Fernando Coruja (PPS-PR), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Paulo Rubem Santiago (PT-PE). Só um ato da Mesa , semelhante ao que possibilitou a criação do benefício, poderá vedar o ressarcimento a partir de 1º de julho.