Título: O FUTEBOL É UM FENÔMENO CULTURAL
Autor: GILBERTO GIL
Fonte: O Globo, 04/06/2006, Opinião, p. 7

Ofutebol e a música são dois dos principais discursos culturais da sociedade brasileira, aos quais se somam dezenas de outros, igualmente importantes, mas que talvez ainda não atingiram o mesmo grau de disseminação, a mesma abrangência. Nada mais natural, portanto, do que associar futebol e música com o tempero das artes visuais, em uma exposição concebida para e sob o programa Copa da Cultura, que acontece na Alemanha e no Brasil.

Trata-se do projeto A Imagem do Som/Futebol, com curadoria de Felipe Taborda, aberta neste junho na capital alemã, Berlim, graças a uma parceria entre a Casa das Culturas do Mundo e o Ministério da Cultura do Brasil, reunindo 30 músicas e 30 obras de artistas plásticos brasileiros, relacionadas ao futebol. É, portanto, uma exposição de arte sobre o nosso ¿futebol-arte¿, expressão com a qual o mundo consagra o jeito brasileiro de jogar futebol.

Na verdade, tudo o que diz respeito ao futebol, enquanto jogo e fenômeno cultural, em termos simbólicos e objetivos, fala e revela tanto sobre o Brasil quanto a nossa música. Refiro-me, por exemplo, aos modos de torcer e jogar, e às interações e celebrações que ele proporciona. Neste sentido, esta exposição estabelece uma fascinante cadeia de representações, que tem tudo para encantar o público alemão e mesmo o público brasileiro, que a verá em breve.

O ¿jogo bonito¿ é uma alegoria da cultura brasileira; as músicas, por sua vez, trazem leituras e representações sobre e do futebol; e temos ainda as obras dos artistas, que remetem às músicas e ao ¿jogo bonito¿, fechando o triângulo. Este conjunto funciona também como um panorama da música brasileira e das nossas artes visuais. A exposição, afinal, reúne alguns dos mais significativos cantores e compositores, assim como grandes artistas visuais do Brasil.

Como se sabe, o Ano do Brasil na França foi um sucesso para o Brasil e para a cultura brasileira, apontando um caminho para se realizar o necessário objetivo de estimular a difusão da cultura brasileira no exterior. Ações integradas e focadas como a Saison, e agora a Copa da Cultura, são modos eficientes de ampliar o mercado internacional para os artistas e os produtos culturais brasileiros, além de amplificar valores e produzir uma imagem positiva do Brasil. Também estimulam o turismo e o consumo de outros produtos nacionais no exterior, gerando renda, emprego e crescimento econômico no Brasil.

Este programa tem, portanto, os mesmos objetivos e os mesmos princípios do Ano do Brasil na França. Mas há diferenças. E não poderia ser de outro modo. Aprendemos muito na Saison. E agora há algo peculiar: a Copa do Mundo. Trata-se de uma oportunidade fantástica para atingir não apenas os alemães, mas os milhões de turistas e milhares de jornalistas que estão na Alemanha. Trata-se, ainda, de uma oportunidade fantástica para afirmar algo que para nós é óbvio, mas que nem todo mundo, em outros países, compreende.

Refiro-me à idéia de que o futebol é também um fenômeno cultural, que resulta e sintetiza os modos de ser dos povos, e incorpora traços de suas expressões culturais, assim como constitui uma experiência cultural. Refiro-me, ainda, à percepção do futebol como objeto ou como referência e inspiração para músicos, artistas plásticos, cineastas e outros criadores. Esta idéia está presente em toda a programação da Copa da Cultura, mas não é a única, naturalmente.

O conceito adotado para a Copa da Cultura resume uma visão sobre o nosso país: Brasil é +. Brasil é mais porque é a seleção, é o futebol, mas também é a sua produção cultural tradicional e contemporânea, a sua economia, a sua sociedade. É os seus clichês, e não devemos ter receio deles. Mas vai além. Muito além. É o seu conjunto de valores, de símbolos, de vivências. Não por acaso, aliás, a seleção brasileira se tornou o segundo time de boa parte dos alemães. E o Brasil, o país estrangeiro com o qual eles mais se identificam.

Estamos mostrando um panorama plural da nossa produção cultural de hoje em dia, com ênfase em qualidade, diversidade e potencial de mercado. Este programa começou a ganhar forma na Casa das Culturas do Mundo, em 2004. Naquela ocasião, procurei compartilhar com meus interlocutores alemães a idéia de aproveitar a Copa de 2006 para fazer um exercício prático de diálogo cultural.

Esta é a nossa Copa da Cultura, que começou em janeiro de 2006 e vai até o fim do ano, somando eventos especiais a participações expressivas do país em eventos tradicionais do calendário cultural europeu, em parceria com instituições culturais alemãs, como o Instituto Goethe, o HAU e a Popkomm, e brasileiras, como o Sesc, o Mube e a Faap, para citar apenas três de cada lado.

Espero que ela seja um instrumento de diálogo entre Brasil e Alemanha, assim como um fator de expansão, no mercado internacional, da cultura brasileira; uma afirmação da nossa identidade e diversidade, e um fator de geração de renda, emprego e divisas. Espero, ainda, que ela seja uma companhia perfeita para a performance das seleções, com a mesma criatividade, a mesma excelência e a mesma vibração que se espera do ¿jogo bonito¿ e do ¿futebol-arte¿.

GILBERTO GIL é ministro da Cultura.