Título: MULHERES USAM APITO CONTRA VIOLÊNCIA DE HOMENS EM PE
Autor: Leticia Lins
Fonte: O Globo, 04/06/2006, O País, p. 14

Grupo cria rede para chamar atenção para agressões

RECIFE. As mulheres vítimas de agressão num bairro da Zona Norte de Recife descobriram um jeito de combater a violência doméstica com um recurso muito simples: o apito. Noêmia Maria Gomes, moradora do Alto José Bonifácio, passou 13 anos apanhando do marido. Prestava queixa e retirava porque ele a ameaçava de morte. Deixou o companheiro, cria cinco filhos sozinha e integra o grupo Cidadania Feminina, que inventou o apitaço. São 150 mulheres que, com seus apitos, denunciam que alguém está apanhando em algum lugar.

Só no ano passado, foram 10.400 queixas nas quatro delegacias especializadas do estado. Este ano foram 2.084 no primeiro trimestre, o levantamento mais recente. Mais de 70% das ameaças, ferimentos e espancamentos partem de companheiros ou ex-companheiros.

Este ano Noêmia já apitou três vezes:

¿ É uma arma para chamar atenção. Cada mulher agredida apita, a vizinha faz o mesmo e assim por diante, criando-se assim uma corrente de solidariedade ¿ afirma Rivânia Rodrigues, uma das coordenadoras do Cidadania Feminina.

Em Pernambuco, cresce o número de mulheres assassinadas. Só este ano, 148 foram mortas a tiros ou facadas, sendo que, em 53% dos casos, os autores dos homicídios são maridos, vizinhos, parentes e até sogros. Entre os motivos, os mais freqüentes são banais: ciúme, bebedeira, crise conjugal e briga pela guarda dos filhos.

A situação está se agravando tanto que organizações feministas e parentes de vítimas da violência de gênero vêm se reunindo uma vez por mês em praça pública, para uma vigília na qual são chamadas pelo nome as mulheres assassinadas. O encontro ocorre na última terça-feira de cada mês.

Dívidas também aparecem como causa de mortes

De acordo com um levantamento feito pelo SOS Corpo, uma das mais atuantes organizações feministas da capital, foram 263 assassinatos em 2003, 271 em 2004 e 290 em 2005. E os registros oficiais dos primeiros cinco meses de 2006 apontam incidência maior do que no mesmo período do ano passado.

¿ Em Pernambuco sobrevivem os resquícios do coronelismo, a cultura de que tudo tem que ser resolvido a bala¿ diz a delegada Cláudia Molina, diretora da Unidade de Polícia da Mulher.

Coordenadora de Pesquisa do SOS Corpo, Ana Paula Portella acredita que a situação pode ser mais grave. Ela afirma que 66% dos assassinatos são na Região Metropolitana. De acordo com Cláudia Molina, 60% dos agressores eram conhecidos pelas vítimas.

Outros problemas têm levado as mulheres à morte: o tráfico já responde hoje por 14% das motivações dos crimes praticados contra elas, e 5,43% das mortes têm como causa a violência urbana (assaltos, latrocínios). Outro fator que começa a aparecer é o assassinato por causa de dívidas.

¿ A partir do momento que elas começam a assumir chefias de família vão se endividando, muitas vezes com agiotas, e terminam pagando a dívida com a vida ¿ afirma Cláudia. Ela lembra que 2,17% das mulheres assassinadas tinham como companheiros pessoas com problemas com a Justiça ou a polícia.

Antes a maioria das agressões contra a mulher ocorriam no espaço doméstico e familiar. Hoje 55% se dão no espaço público. No passado, os homicídios eram cometidos por apenas um agressor. Atualmente 46,4% deles são atribuídos a grupos.

A forma mais comum de matar ainda é a arma de fogo: 83% dos casos. Segundo levantamento nas delegacias da Mulher, 92,8% dos assassinatos ocorrem da quinta-feira a domingo, dias em que é maior o consumo de bebida alcoólica, e 96,43% das mulheres foram mortas à noite ou de madrugada, segundo a pesquisa ¿A criminalidade no Recife¿, do Grupo de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajope).