Título: MESMO INADIMPLENTES, ESTADOS OBTÊM RECURSOS
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 04/06/2006, Economia, p. 35

Liminares garantem liberação de verbas federais a 23 unidades da federação que não cumprem exigências da LRF

BRASÍLIA. A grande maioria dos estados brasileiros está inadimplente junto ao Tesouro Nacional e, mesmo descumprindo exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), consegue a liberação de recursos da União por meio de convênios, as chamadas transferências voluntárias. Dos 27 estados brasileiros, incluindo o Distrito Federal, 23 estão se valendo de liminares obtidas na Justiça para assegurar a liberação dos recursos federais sem prestar contas ou atender às exigências do Tesouro e da LRF. Apenas Acre, São Paulo, Roraima e Maranhão não têm liminares.

A legislação estabelece requisitos para que os estados e municípios recebam recursos do governo federal. Eles precisam estar com o pagamento de tributos e empréstimos em dia e atender a um conjunto de condições reunidas no Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias (Cauc) ¿ no qual se baseiam todos os órgãos gestores do governo federal para saber se um estado ou município pode assinar convênios e receber recursos da União.

O Cauc foi criado em 2001 para acompanhar e fiscalizar o cumprimento da LRF em relação ao repasse de recursos da União para estados e municípios.

Repasses este ano já chegam a R$220 milhões

No caso dos estados que conseguiram liminares na Justiça, o Cauc está sendo desconsiderado. Desde 6 de dezembro de 2005, 19 estados e o Distrito Federal estão amparados em liminar concedida pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que suspende os efeitos da inscrição no cadastro. Outros três estados conseguiram benefício semelhante com liminares obtidas junto à Justiça Federal.

O Cauc continua sendo atualizado diariamente e, na última sexta-feira, apenas dois estados ¿ Acre e Mato Grosso ¿ estavam em situação regular, sendo que o Acre não tem liminar. Os demais apresentavam pendências que, em condições normais, impediriam a assinatura de convênios com a União e o repasse de recursos do Orçamento, inclusive emendas parlamentares. As pendências variam: atraso no pagamento de empréstimos à União, falta de prestação de contas de convênios anteriores, atraso na entrega dos relatórios de gestão fiscal e prestações de contas exigidas pela LRF, entre outras.

No ano passado, o governo federal repassou R$4,2 bilhões aos estados e ao Distrito Federal por meio de convênios, segundo levantamento feito pelo site Siga Brasil, do Senado Federal. Este ano, os repasses já somam R$220 milhões.

As ações na Justiça e liminares começaram a pipocar no fim do ano passado, depois que o Tesouro ampliou as exigências previstas no Cauc, estendendo os controles para a administração indireta dos estados e municípios. Técnicos do Tesouro haviam constatado que, quando havia pendências (débitos tributários e outros) no CNPJ principal, os estados e municípios usavam o CNPJ de uma secretaria ou de uma empresa pública para assinar os convênios.

Com o novo Cauc, que começou a valer em outubro, houve uma enxurrada de ações na Justiça para anular seus efeitos, e o Tesouro acabou adiando por seis meses o prazo para a vigência das novas regras. Enquanto isso, a maior parte dos estados conseguiu liminares na Justiça, anulando todas as exigências do Cadastro ¿ as novas e as velhas.

Os estados alegaram na Justiça que as novas exigências do Cauc extrapolavam os requisitos da LRF e inviabilizariam vários programas dos governos, causando prejuízos sociais, políticos, financeiros e econômicos para a população. Eles argumentaram que as exigências impediam também a obtenção de empréstimos externos com aval da União. E o ministro Celso de Mello, do STF, com base nesses argumentos, concedeu a liminar em dezembro, que já foi contestada pela União, e confirmada em maio último.

O ex-ministro do Planejamento Martus Tavares, que hoje é vice-presidente executivo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), vê com preocupação o descumprimento da LRF pelos estados. Martus, um dos pais da LRF, considera que ela tem uma importância histórica para o controle das contas públicas.

¿ A LRF tem hoje um papel excepcional na administração da política econômica e contribuiu para o país se tornar mais forte e enfrentar as turbulências externas. É um ativo nacional importante, que precisa ser preservado integralmente ¿ afirma.

A avalanche de liminares que anulam os efeitos do Cauc acabou abrindo espaço para algumas discussões dentro do Ministério da Fazenda sobre quem pode ou não receber recursos da União, além de provocar protestos do governo de Sergipe, único estado cujas transferências foram bloqueadas, embora também esteja beneficiado pela liminar do ministro Celso de Mello. O subprocurador do estado de Sergipe, Vladimir Macedo, reclama que a liminar nunca foi cumprida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e está recorrendo de novo à Justiça para obter os mesmos direitos dos demais estados.

¿ Há uma burocracia interna, não documentada, que impede a liberação dos recursos ¿ afirma o subprocurador.

MG assegura que está resolvendo pendências

O problema de Sergipe foi levado para o Congresso, dificultando a votação do Orçamento, em maio último, e o Tesouro Nacional alegou na época que o estado não cumprira outras exigências da LRF em relação aos limites de pessoal, por isso estaria com as contas bloqueadas.

Minas Gerais, por exemplo, tinha cinco pendências registradas no Cauc, na última sexta-feira, mas não teve bloqueio de recursos porque obteve liminar junto ao Supremo. A diretora de Administração e Controle da Dívida Pública do estado, Conceição de Souza, alegou que os relatórios de gestão fiscal e execução orçamentária, exigências da LRF, já haviam sido entregues na última sexta-feira ¿ o prazo era 31 de maio ¿ e outras pendências, como a regularização de prestação de contas de convênios, também estavam sendo resolvidas.

¿ Apesar de Minas estar com liminar, estamos trabalhando junto com todos os órgãos para resolver as pendências. A liminar é para que os órgãos não deixem de receber os recursos ¿ afirmou.