Título: Revolta no adeus a Nettinho
Autor: Célia Costa e Daniel Engelbrecht
Fonte: O Globo, 06/06/2006, Rio, p. 13

Violência e corrupção são criticadas no enterro de músico, que reuniu 300 pessoas

Em clima de muita tristeza e revolta, cerca de 300 pessoas, entre parentes, amigos e fãs, compareceram ontem à tarde ao enterro do guitarrista Rodrigo Silva Netto, o Nettinho, de 29 anos, do grupo Detonautas, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. O músico foi assassinado com um tiro anteontem à noite, na Avenida Marechal Rondon, no Rocha, durante uma tentativa de assalto. Amigos da vítima criticaram a violência no Rio e a corrupção. O vocalista da banda, Tico Santa Cruz, fez um discurso no momento em que o caixão baixava à sepultura. Segurando uma Bandeira do Brasil, ele desabafou:

¿ Ele era mais um cidadão brasileiro de bem, que trabalhava, pagava impostos e agora vai embora vítima da violência ¿ disse Tico, arrancando aplausos. ¿ As pessoas estão preocupadas com outros valores que não o amor. Preocupadas com valores superficiais, o que faz com que esqueçam o básico, que é a honestidade e o respeito pela vida humana. Só torço para que haja baixa também do lado de lá, do lado da corrupção.

Logo depois, a Bandeira do Brasil, com as assinaturas de muitas pessoas presentes ao sepultamento, cobriu o caixão de Nettinho.

Desde a manhã, amigos lotaram a capela onde foi feito o velório. Em alguns momentos, cantaram sucessos do grupo. Artistas como Xuxa e os integrantes dos grupos Jota Quest, Barão Vermelho, Roupa Nova e Los Hermanos mandaram coroas de flores.

Parentes e amigos classificaram o guitarrista como uma pessoa muito especial. Mario da Silva Neto, de 57 anos, tio de Nettinho, disse que o sobrinho minimizava sempre a violência no Rio:

¿ Ele era um ser especial, iluminado como a mãe, Eliana Andrade Silva Neto, que morreu há 19 anos de câncer. As músicas que ele fazia eram de paz e amor. Ele nunca falou nada sobre ter medo de viver no Rio.

`Ele disse que o Rio não era tão ruim¿

Na tarde de domingo, horas antes de ser assassinado quando seguia para casa, na Fonte da Saudade, Nettinho estava numa festa em Cascadura e comentou com parentes que achava que a violência no Rio não era tão grande como se comenta. Manoel Silva Neto, de 66 anos, primo de Mario Neto, esteve na festa e conversou com o músico sobre a insegurança.

¿ Eu disse a ele que, do jeito como a cidade está, a gente sai e não sabe se vai voltar. Ele disse que o Rio não era tão ruim como as pessoas diziam.

Segundo Mario, a avó de Nettinho, Maria da Silva Neto, de 87 anos, que estava com ele no carro na hora do ataque, encontra-se em estado de choque e recebendo sedativos. Ela não foi ao enterro.

¿ Ela disse só se lembrar do barulho dos tiros e de ver Nettinho caído sobre seu colo, com os olhos abertos ¿ contou Mario.

Mauro Perez, de 26 anos, irmão de criação do guitarrista, contou que estava esperando Nettinho para jogar boliche na noite de domingo:

¿ Estão todos inconformados, é violência demais. Ele era um cara que trabalhava desde pequeno, estudava violão desde os 7 anos e agora que tinha conseguido o que queria, ser músico. Estava colhendo os frutos do trabalho e acontece isso. Não sei o que deu nele para acelerar, o carro tinha seguro. Talvez ele tenha tentado preservar a avó ¿ disse.

Amiga do guitarrista há dois anos, a estudante curitibana Marcela Kopp, de 15 anos, passou vários minutos chorando sobre o caixão.

¿ Ele era uma pessoa tão boa, nunca fez mal ou deu as costas a alguém. Estava sempre fazendo brincadeiras, inclusive nos shows.

O cantor Silvinho disse que a juventude perdeu um exemplo:

¿ Ele foi uma pessoa que se esforçou muito até virar músico. Era um exemplo para a garotada. Mas nossos heróis estão morrendo. É preciso falar com essa juventude marginalizada que, apesar da revolta dela, não se pode tirar a vida das pessoas dessa forma ¿ protestou.

Já o guitarrista Da Gama, do Cidade Negra, lembrou o episódio do baterista Marcelo Yuka, do F.U.R.T.O, que ficou paraplégico ao reagir a um assalto na Tijuca. Na época, ele era integrante do grupo O Rappa:

¿ Eu já não tenho mais saído de casa. Do jeito que está, não vale a pena se arriscar. Aconteceu com o Yuka e agora com o Rodrigo, que infelizmente partiu. Está na hora de tomarem providências ¿ cobrou.

A namorada de Nettinho, a vocalista Alyne Rosa, da banda baiana Cheiro de Amor, estava inconsolável. Ao saber da morte do músico, ela desistiu do show que faria na noite de domingo no Maranhão e pegou um avião para o Rio. Integrantes do fã-clube do Detonautas também foram ao São João Batista. Chorando muito, cerca de 15 fãs fizeram uma roda em frente ao cemitério e oraram por Nettinho.

O cantor e compositor Gabriel O Pensador chegou depois do sepultamento. Bastante abalado, ele lembrou o guitarrista como uma pessoa amável. Gabriel disse que é amigo dos integrantes do Detonautas desde o começo da carreira do grupo e que eles já abriram um de seus shows.

¿ Nettinho era muito do bem, uma pessoa muito pacífica. O que aconteceu é uma tragédia, a que não podemos nos acostumar. Infelizmente, parece que os governantes não se importam mais ¿ disse.

Segundo o também guitarrista Renato Rocha, do Detonautas, o grupo pretende continuar trabalhando:

¿ Nossa intenção é fazer música em homenagem a ele, usando a força que ele tinha e sempre passou para a gente ¿ disse.

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