Título: A invasão: lições
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/06/2006, O GLOBO, p. 2

Foi horrível ver o Salão Verde transformado em campo de luta, ver gente assustada buscando abrigo atrás das pilastras ou, tendo crachá, dentro do plenário. Foi triste ver o que restou do busto de Mario Covas carregado sob o braço de um manifestante como butim de guerra, e o anjo de Ceschiatti usado como tamborete. Ver homens e mulheres simples que vieram de longe reivindicar de forma tão errada. Foi horrível e inaceitável mas foi também pedagógico.

Estivesse o Congresso, e sobretudo a Câmara, desfrutando de mais prestígio e credibilidade, o MLST não teria perdido o recato democrático e feito uso da violência para entrar em suas dependências, perdendo depois o controle da massa incitada. Não estivessem a Câmara e a política em geral carregando o estigma da impunidade e os apelidos da vileza política ¿ mensalão, pizza, sanguessuga etc ¿ não teria havido a profanação política.

A tarde de horror entretanto serviu para fazer valer a consciência de que a democracia não prescinde da autoridade, muito pelo contrário. E o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, fez perfeito uso da sua.

Não foi o primeiro ato de vandalismo contra o Congresso. Talvez tenha sido o mais aterrorizador, por ter chegado às portas do plenário, deixado feridos e um rastro de destruição. Mas houve o corredor polonês contra os deputados na votação da reforma da Previdência, no governo FH. Houve o quebra-quebra da chapelaria do Congresso, na votação da segunda reforma da Previdência, já sob Lula e em nenhuma das ocasiões os que exorbitaram foram presos e punidos.

¿Quero todos presos¿, foi a primeira ordem de Aldo ao saber do que ocorria, enquanto recebia um visitante estrangeiro em sua residência. Já no Congresso, resistiu a outras pressões. A da esquerda, representada pelo PSOL, para que mesmo assim ele recebesse o líder do MLST, Bruno Maranhão. Expulsou-o de sua sala e avisou que todos seriam presos lá fora. Se não saíssem, isso aconteceria ali dentro mesmo.

Outra pressão vinha da direita, da bancada ruralista, para que chamasse o Bope ou o Exército para dentro do Congresso. Se isso fosse preciso, seria feito, mas Aldo optou por evitar uma outra profanação. Para se defender, a Casa tem sua polícia legislativa. Evacuado o Salão Verde, 400 homens da PM receberam os manifestantes lá fora.

No final do dia a Polícia Legislativa trabalhava no Ginásio Nilson Nelson em parceria com a Polícia Civil, identificando os que efetivamente atentaram contra pessoas e contra o patrimônio público. Inclusive Bruno Maranhão, cuja filiação ao PT era explorada. Nenhum membro do partido o desculpou. Todos devem agora responder pelo que fizeram.

Nenhuma punição, entretanto, atenuará o fato de que atentaram contra a democracia, contra a sacralidade do Parlamento e mesmo contra os movimentos sociais, à medida que os demais podem ser igualmente percebidos agora como transgressores. Arruaceiros, na condenação do presidente do Senado, Renan Calheiros.