Título: O movimento dos sem-limites
Autor: Ilimar Franco, Alan Gripp e Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 07/06/2006, O País, p. 3

Militantes do MLST invadem e depredam instalações da Câmara dos Deputados

ACâmara dos Deputados foi alvo ontem de cenas de vandalismo que há muito tempo não se via. Cerca de 500 manifestantes do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), comandados pelo secretário nacional dos Movimentos Populares do PT e membro da executiva nacional do partido, Bruno Maranhão, invadiram o prédio do Congresso. Os manifestantes forçaram a passagem usando galhos de árvores, cones de trânsito, pedras e paralelepípedos. Quebraram vidros; viraram um carro que estava em exposição na entrada do Anexo II da Câmara; destruíram portas blindex e depredaram instalações e computadores, deixando um saldo de 26 feridos. Os manifestantes foram detidos e Maranhão, o primeiro a ser preso.

Depois de uma tensa negociação, que durou quase três horas, os 500 invasores, que já estavam do lado de fora do Congresso, foram levados para um ginásio de esportes, a menos de dois quilômetros da Esplanada. Cercados no gramado em frente ao Congresso por policiais militares do Batalhão de Choque, eles receberam voz de prisão do diretor da Polícia Judiciária do Congresso, Alber Valle. Foram revistados um a um, inclusive mulheres, idosos e crianças, e levados em ônibus da PM.

Imagens identificam os agressores

No ginásio foi feita uma triagem para identificar os manifestantes que participaram do quebra-quebra e das agressões a policiais. A identificação seria feita com base em imagens do circuito interno de TV, fotógrafos e cinegrafistas que a Polícia Legislativa reuniu ao longo da tarde. O delegado da 2ª Delegacia de Polícia do Distrito Federal, Antônio Coelho Sampaio, informou que para o ginásio foram levados 538 adultos e 42 menores. Foram identificados sete líderes do movimento, conduzidos para a delegacia para depor. Os demais seriam ouvidos no ginásio. Todos foram presos em flagrante e autuados por dano a bem pública, formação de quadrilha, corrupção de menores. A polícia vai investigar ainda os envolvidos em lesões corporais. Os sete líderes serão autuados por tentativa de homicídio.

Os manifestantes foram levados para o ginásio depois que uma comissão de deputados, temendo um novo conflito, negociou a sua rendição. O clima foi muito tenso:

¿ Por favor, temos que tentar uma saída pacífica ¿ pedia o deputado João Alfredo (PSOL-CE), em defesa dos manifestantes.

¿ Acontece que tem um agente nosso quase morto, isso não pode ficar assim ¿ reagiu o diretor da Câmara, Sérgio Sampaio, referindo-se ao segurança Normando Fernandes, que até ontem à noite estava internado na UTI de hospital particular.

O tumulto começou por volta das 14h30m, quando os sem-terra tentaram forçar a entrada no prédio da Câmara. A segurança não permitiu a entrada dos sem- terra, pois o protesto não estava autorizado. Os manifestantes começaram a forçar passagem. Cerca de doze seguranças da Câmara e oito policiais militares, a serviço do Legislativo, tentaram impedir a entrada.

Iniciou-se um empurra-empurra e uma grande confusão que durou quase duas horas. O confronto na portaria do anexo que dá acesso às salas das comissões durou cerca de quinze minutos. Atingidos por paus e pedras, seguranças da Câmara caíram. Funcionários da Casa e visitantes, que se aglomeraram para acompanhar a confusão, também foram atingidos. Pessoas gritavam, deputados corriam. Todos tentavam sair de perto da confusão.

Depois de arrombarem a porta do Anexo II, os manifestantes percorreram 200 metros, destruindo o blindex da sala da taquigrafia e da porta que separa o Anexo II do túnel subterrâneo que dá acesso ao prédio principal. Chegaram então ao Salão Verde, que dá acesso ao plenário da Câmara. Eles entraram no salão pulando, gritando ¿o povo unido jamais será vencido¿. A essa altura, já estavam armados também com os suportes de aço usados para delimitar áreas de isolamento.

¿Quero todos presos¿, diz Aldo

A escultura ¿O Anjo¿, do artista mineiro Alfredo Ceschiati, só não foi destruída porque é de bronze. Os manifestantes ensaiaram uma invasão do plenário da Câmara mas desistiram. Tentaram ainda entrar no Senado pelo Salão Azul e no Salão Negro da Câmara, mas foram impedidos pela segurança.

¿ Quero todos presos! ¿ gritou o presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

¿ Não quebramos nada. O que ocorreu é que tentaram impedir os trabalhadores de entrar na sua Casa para fazer uma ação direta de soberania popular. Não viemos quebrar nada nem bater em ninguém ¿ afirmou Joaquim Ribeiro, um dos sem-terra que pediam a aceleração da reforma agrária e o fim do trabalho escravo.

¿ A sociedade tem que fazer a luta pelos seus direitos. Estamos protestando contra a corrupção, o mensalão e o sanguessuga. Queremos que o governo Lula derrube a medida provisória que impede a desapropriação de terras invadidas ¿ afirmou Jean.

Deputados tentaram intermediar um encontro dos líderes com Aldo. Diante da recusa de Aldo e de sua decisão de prender todos, Maranhão organizou a saída dos manifestantes.

¿ Após ser informado, determinei que todos os envolvidos na ocupação e depredação, sem exceção, sejam presos ¿- anunciou Aldo.