Título: `A FAMÍLIA AQUI PROTESTA UNIDA¿
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 07/06/2006, O País, p. 8

Idosos, mulheres e crianças saíram de dez estados para participar da invasão

BRASÍLIA. Idosos, mulheres, crianças, famílias inteiras formavam o grupo do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) que ontem realizou o protesto na Câmara. Eles não estiveram na linha de frente no confronto com a Polícia Legislativa, mas a grande maioria participou da invasão que transformou os corredores e salões da Casa em um campo de batalha. Ao fim do conflito, ficou a sensação de que o quebra-quebra poderia ter terminado em tragédia.

Em meio aos manifestantes detidos no gramado em frente ao Congresso, a família do agricultor Divinotônio de Freitas, de 31 anos, que veio de Itaberaí (GO), chamava a atenção dos policiais militares. Ele segurava no colo o filho Douglas, de apenas quatro meses. Sua mulher, Divina Sebastiana, de 27, dava as mãos às pequenas Ana Carolina, de 6 anos, e Vitória, de 4. Perguntado se aceitava ser fotografado, Divinotônio aceitou de pronto e pôs nas mãos dos filhos uma bandeira do movimento:

¿ A família aqui protesta unida ¿ disse o pai. ¿ Tenho fé em Deus de que nada vai acontecer com as crianças.

Mas havia muitos feridos no gramado, que permaneceram por mais de três horas sem atendimento. Com um corte na cabeça e manchas de sangue pela camisa, o mineiro de Uberlândia Antonio Jesus Amaral, de 50 anos, disse que foi agredido pela segurança da Câmara antes do início da invasão.

¿ Era para ser um protesto pacífico, juro. Queríamos entrar e fomos agredidos por uns 15 policiais com cacetetes. Esta não é a Casa do povo como eles gostam de dizer ¿ protestou ele.

Segundo os coordenadores do movimento, cerca de 1.200 manifestantes foram a Brasília. A PM estima que eles eram não mais do que 500. Vieram de pelo menos dez estados, alguns de ônibus, muitos de caminhão. A coordenação do MLST organizou e financiou o protesto. Alguns militantes viajaram mais de dois dias, como o grupo do Rio Grande do Norte. A maioria vive hoje em acampamentos montados em áreas invadidas e exige ser assentada em terras demarcadas, além de ter acesso a crédito para começar a produzir.

¿ Todos aqui são trabalhadores, não é coisa de bêbado, não. Queremos nossas terras e condições para trabalhar ¿ afirmou o agricultor Francisco Lima, que planta milho, feijão e mandioca em João Câmara, a 75 quilômetros de Natal (RN).

Entre os manifestantes também estava Paulo, que virou assunto entre os seguranças da Câmara por registrar passo a passo do protesto com uma filmadora.

¿ O MLST é um movimento organizado. Isso (as imagens) vai para os nossos registros ¿ contou ele, que não quis informar seu sobrenome.

Já do lado de fora do Congresso, enquanto eram mantidos detidos pela polícia, os sem-terra não pareciam ter noção do estrago ¿ e de suas conseqüências políticas ¿ que a invasão de ontem provocou.