Título: PELA COERÊNCIA
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 08/06/2006, O País, p. 4

A decisão de ontem do Tribunal Superior Eleitoral pode ser a dose de bom senso que faltava para que a vida partidária do país se transforme em alguma coisa menos disforme e incongruente do que é hoje, ajudando a melhorar a imagem dos políticos. O ministro Marco Aurélio de Mello tem toda a razão quando se espanta com o espanto dos políticos, pois não havia alguém que não soubesse que as alianças partidárias completamente incoerentes que estavam sendo montadas pelos estados feriam o espírito da lei que instituiu a verticalização nas disputas eleitorais desde 1998, e que só foi utilizada quatro anos depois, em 2002. Na ocasião, por sinal, tomou conta de Brasília uma teoria conspiratória que atribuía a decisão a uma trama política para favorecer o candidato tucano José Serra.

O PT de Lula assumiu claramente o papel de vítima. O presidente do TSE era Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique, muito amigo do candidato tucano Serra, com quem já dividira até um apartamento em Brasília. E a consulta ao TSE fora feita pelo deputado Miro Teixeira, que, apesar de ser do PDT, é amigo de Jobim e de Serra. Tudo não passaria de uma grande conspiração tramada no Palácio do Planalto.

Passada a eleição, Miro Teixeira virou ministro das Comunicações do vitorioso Lula, e o ministro Nelson Jobim hoje é o mais forte candidato a vice de Lula na chapa de reeleição se o PMDB se decidir pela coligação formal com o PT, opção que voltou a ser bastante possível depois da interpretação reducionista do TSE das coligações em tempos de verticalização. Tanto naquela ocasião quanto agora, acusam o TSE de estar criando regras que mudam o jogo eleitoral em cima das eleições, mas na verdade essas regras já estão escritas na lei, e os políticos fingem que não entenderam na esperança de que ninguém note que estão sendo burladas.

A forma de atuar do Tribunal Superior Eleitoral não pode ser mudada, pois ele não legisla, e só se pronuncia quando é acionado por uma consulta. A suposição é de que a lei seja clara, e o Tribunal só entra em ação para esclarecer alguma dúvida. Mesmo quando, como em 1998, a lei estava sendo ignorada pelos partidos, como não houve nenhuma reclamação ou pedido de esclarecimento, o TSE não se pronunciou.

É evidente que a culpa por qualquer tipo de prejuízo que os partidos políticos venham a ter só se deve à incapacidade de votar regras eleitorais de consenso no prazo constitucional, isto é, um ano antes da realização das eleições. Mas, obedecendo ao espírito da lei, não poderia haver essa onda de coligações do político doido que estava grassando pelos estados.

Se a idéia é dar coerência às coligações partidárias, fazendo com que as alianças nacionais sirvam de guia para as regionais, como imaginar que o PMDB pudesse se compor com o PT em um estado, com o PSDB em outro e com o PC do B num terceiro? Há diversas teorias para a existência das chamadas ¿coligações transversais¿ na política brasileira, sempre ressaltando o tamanho do país e as organizações políticas estaduais muito fortes, e a presença do governo central como ponto de atração das forças políticas, uma tradição dos tempos da colonização portuguesa.

E há um consenso entre os cientistas políticos de que não será através de leis coercitivas que essa miscelânea partidária será resolvida na política nacional. Seria uma tendência que não deveria ser coibida. Mas o fato é que, com a verticalização e a adoção das cláusulas de barreira, estamos à beira de termos, talvez por caminhos tortuosos, um sistema partidário menor e mais organizado.

A decisão do TSE pode ser ainda mais ampla, de acordo com o seu presidente, Marco Aurélio de Mello, para quem mesmo os partidos que não têm candidato a presidente terão que fazer coligações simétricas em todos os estados em que se coligarem, isto é, não estarão livres para se coligarem com variados partidos.

Se prevalecer a interpretação do presidente do TSE, o quadro das coligações ficará ainda mais apertado, e também mais coerente, para desespero dos políticos que prezam mais a visão paroquial do que a perspectiva nacional de seu partido. O PMDB, por exemplo, está diante da grande questão que sempre evitou: é um partido nacional, com programas e objetivos próprios, ou é um coadjuvante político, mais interessado em poder e cargos?

Tenho a impressão de que na consulta do PL, que originou a decisão do TSE há uma influência do Palácio do Planalto, para colocar o PMDB na parede e forçar uma decisão a favor da coligação formal. O tiro pode sair pela culatra, e fortalecer a candidatura própria.

PSDB e PFL acabaram ontem de perder toda condição moral de criticar o governo federal pelo aumento de gastos públicos, ao aprovar uma emenda que estendeu a todos os aposentados o aumento do salário-mínimo de 16,6% que, pela medida provisória do governo, só seria aplicado aos aposentados que ganham até um salário-mínimo.

Os demais aposentados receberiam um aumento de 5%, equivalente à inflação do período, mas a oposição, seguindo os passos do PT quando era oposição, e que tanto critica, resolveu deixar o governo em maus lençóis neste ano eleitoral. A decisão custará R$7 bilhões adicionais, verba não prevista no Orçamento deste ano. Como dificilmente o Senado, que tem maioria oposicionista, derrubará a decisão, caberá ao presidente Lula vetar o aumento, justamente o que querem PSDB-PFL.