Título: A ALTERNATIVA DO GÁS LIQUEFEITO
Autor: LUIZ PINGUELLI ROSA
Fonte: O Globo, 08/06/2006, Opinião, p. 7

Areação em cadeia provocada pela nacionalização do gás e do petróleo na Bolívia foi moderada pela prudência diplomática do governo brasileiro. Há dois problemas confundidos. Um é o da Petrobras como empresa estatal mas com ações em bolsa e outro é o interesse brasileiro em garantir o abastecimento de gás natural a preços justos. A aquisição de ativos na Bolívia transferiu a propriedade das refinarias bolivianas, tal como ocorreu na privatização do setor elétrico brasileiro. No gás natural a situação é outra. Os investimentos da Petrobras implantaram a produção de gás e o gasoduto viabilizou a exportação para o Brasil. Cerca de 50% do gás é importado da Bolívia. São Paulo depende do gás boliviano em 75%. O consumo é 70% industrial, 20% veicular e 10% residencial e comercial, fora as usinas termelétricas.

Estas demandarão muito gás, pois não está havendo expansão da geração hidrelétrica. O país pode chegar a 2010 com déficit de 15 milhões de metros cúbicos. Antes da crise, a Petrobras já estudava a emergência de importar gás natural liquefeito. O problema existia potencialmente, pois não há gás natural para as termelétricas existentes se elas forem acionadas pelo ONS. A importação de GNL por outros países, como Peru e Venezuela, ou fora do continente, pode ser feita por navios ou um novo gasoduto, que requer investimento significativo. O gasoduto no trecho Venezuela-Ribeirão Preto (4.794 km) terá extensão comparável ao da Rússia para a Europa (4.107 km até Berlim). A importação do GNL por navios é sujeita a crise, pois o Hemisfério Norte exercerá papel de atrator do GNL, como com o petróleo, e poderá haver nova crise mundial como em 1973 e 1979.

A produção nacional, a melhor opção, pode crescer. O campo de Mexilhão, na Bacia de Santos, entrará em operação após 2008 e se anunciou a antecipação da Bacia do Espírito Santo. Mas isso não abole a necessidade de importar gás boliviano, também essencial para a Bolívia, que exporta três quartos de sua produção para o Brasil e 15% para a Argentina, consumindo apenas 10%. Deixar de exportar para o Brasil resultaria em perda de 18% do PIB boliviano. Logo, a probabilidade de superar a crise é alta. O nó a desatar é o preço garantido por contrato, no qual são previstos reajustes, que a Bolívia quer mudar. Aí se concentrarão as negociações, pois o preço do gás natural no mundo tende a ser puxado pela alta do petróleo.

O preço do gás importado da Bolívia é US$3,8 por milhão de BTU (MBTU) mais US$1,7/MBTU do transporte no gasoduto, resultando em US$5,5/MBTU. Este é o preço de venda da Petrobras para as distribuidoras no Rio e em São Paulo. Mas para o consumidor residencial o preço é de US$30 a US$50/MBTU, o industrial de US$7,5 a US$30/MBTU e o veicular de US$7,5 a US$10/MBTU. A margem é grande no residencial e nas empresas de pequeno consumo.

A alternativa de importação de GNL de outros países, transportado por navio, sai a US$6,5/MBTU, fora o custo das plantas de regaseificação, de US$150 milhões para 3 milhões de metros cúbicos/dia. Contra o GNL há a tendência de alta do preço (o MBTU custava US$3 em 1999, US$5 em 2000 e tende a US$7) e o forte controle pelas multinacionais presentes nos países produtores. A demanda é crescente nos países desenvolvidos e a instabilidade geopolítica global é pior que a da América do Sul. No entanto, o GNL permite o uso interruptível do gás natural nas termelétricas para complementação das hidrelétricas, quando há escassez de água, incompatível com os contratos take or pay do gás natural. E as usinas de regaseificação podem gerar energia elétrica no processo de conversão do GNL em gás.

O H-Bio anunciado pela Petrobras, que incorpora óleos vegetais no diesel, permitirá aproveitar a soja com problema no mercado externo. Mas isso não resolve o problema do gás. O governo deveria rever a expansão da geração elétrica concentrada no uso do gás natural.

LUIZ PINGUELLI ROSA é coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe-UFRJ.

N. da R.: Verissimo escreve no Caderno da Copa.