Título: A TEIA GLOBAL DA CIA
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Fonte: O Globo, 08/06/2006, O Mundo, p. 36

Conselho da Europa diz que EUA montaram rede secreta antiterror com 25 países

PARIS

Num relatório que deixou em situação delicada mais de duas dezenas de governos e causou reações que foram da negação total ao contra-ataque indignado, passando pelo silêncio, um investigador do Conselho da Europa acusou ontem 25 países de terem participado de uma ¿teia de aranha global¿ de prisões secretas da Agência Central de Inteligência (CIA) americana e de transferência de suspeitos de terror. Segundo o documento, os países ¿ entre os quais 14 da Europa ¿ colaboraram com os EUA no estabelecimento de uma rede para capturar, transferir e deter suspeitos fora de qualquer procedimento legal, após os atentados de 11 de Setembro.

A acusação caiu como uma bomba entre os governos europeus, muitos dos quais constrangidos diante de suas populações por causa da percepção de que estariam prontos a sacrificarem suas leis por pressão dos EUA para colaborarem na luta contra o terror. Segundo o senador suíço Dick Marty, investigador do Conselho da Europa ¿ um órgão de proteção de direitos que reúne 46 países do continente sem poderes de processar ou julgar ninguém ¿ as provas são apenas circunstanciais, mas em quantidade e fortes o suficiente para corroborarem a conclusão a que chegou.

Marty disse que testemunhas, especialistas em aviação, fontes confidenciais e registros de vôos o ajudaram a levantar ¿o véu de silêncio¿, pois muitos governos cooperaram de forma limitada.

Diz o relatório de 67 páginas, resultado de sete meses de investigações: ¿Está claro agora, embora estejamos ainda longe de estabelecermos toda a verdade, que autoridades em vários países da Europa participaram ativamente com a CIA dessas atividades ilegais. Outros países as ignoraram propositadamente, ou não quiseram saber.¿

¿ Os governos têm a obrigação de realizar investigações sérias e transparentes ¿ cobrou Marty.

Blair: documento não traz novidade

As acusações mais graves são contra a Polônia e a Romênia, que teriam permitido a existência de prisões secretas em seu território. Já Alemanha, Turquia, Espanha, Chipre e Azerbaijão teriam funcionado como pontos de partida para operações, enquanto Irlanda, Reino Unido, Portugal, República Tcheca, Itália e Grécia seriam escalas de reabastecimento de vôos ilegais. Por sua vez, Suécia, Bósnia, Reino Unido, Macedônia, Alemanha e Turquia entregariam os suspeitos, cuja destinação final seriam países aliados dos EUA ou a prisão de Guantánamo, em Cuba.

¿ Estas acusações são caluniosas ¿ rebateu o primeiro-ministro polonês Kazimierz Marcinkiewicz. ¿ Elas não são baseadas em quaisquer fatos e isso é tudo que eu sei e que tenho a dizer.

A Romênia também negou ter abrigado prisões secretas, e a Espanha, ter participado de transferência de presos. Os EUA minimizaram as acusações de Marty, procurando esvaziar seu conteúdo. Embora reconhecendo que realizou algumas transferências secretas de presos, Washington nega ter feito qualquer coisa errada.

¿ Isto soa como uma requentada de esforços anteriores desse grupo. Parece haver um monte de alegações, mas nenhum fato real por trás delas ¿ desconversou em Washington o porta-voz do Departamento de Estado, Sean McCormack, contra-argumentando que a cooperação entre os serviços de inteligência salvou vidas.

O premier britânico, Tony Blair, seguiu o mesmo caminho, tentando desqualificar as acusações no Parlamento de seu país.

¿ O relatório do Conselho da Europa não acrescenta absolutamente qualquer coisa nova ¿ atacou.

No mês passado, investigadores da União Européia disseram acreditar que entre 30 e 50 pessoas teriam sido entregues a países onde poderiam ser torturadas desde os atentados do 11 de Setembro. Em Londres, a Anistia Internacional emitiu um comunicado afirmando que o documento envia um ¿sinal forte e claro¿ aos governos europeus e aos EUA de que a existência desses centros de detenção seria ilegal e contrária a qualquer princípio legal básico.