Título: NO COLÉGIO, UM CENÁRIO DE HORROR
Autor: Sérgio Ramalho e Ana Cláudia Costa
Fonte: O Globo, 09/06/2006, Rio, p. 14

Escola ficou com marcas de bala e roupas sujas de sangue nas salas

Cadernos abertos, lápis, borrachas e mochilas jogados sobre carteiras e no chão das salas reviradas, além de camisetas de uniforme sujas de sangue, mostravam ontem o que foi a quarta-feira de terror na Escola Municipal Henrique Foréis, no Morro da Fazendinha, em Inhaúma, no Complexo do Alemão, onde 17 crianças ficaram feridas durante um tiroteio ¿ cinco delas ainda estão internadas em observação. O cenário contrastava com o título do texto ¿Minha janela¿, escrito por uma professora no quadro-negro de uma das salas. No momento em que copiavam frases como ¿Hoje sonhei que vi uma linda paisagem na janela (...) eu via passarinhos voando e cantando (...) no sonho a linda obra de Deus¿, as crianças tiveram que correr e se abrigar de tiros. Pela janela, o que os alunos viram foram cenas de guerra.

Das cinco salas de aula da escola, três foram atingidas por disparos feitos, segundo a polícia, por traficantes. Marcas de tiros ficaram em mesas e cadeiras. Nem mesmo o coração fixado no mural de uma sala de aula escapou: uma bala atingiu o desenho no meio. Na sala 1, alunos da 1ª série do ensino fundamental não conseguiram concluir a prova de matemática. Nas mesas, podiam ser vistas as folhas das provas; no chão, marcas de sangue e tênis abandonados.

Um dia depois do episódio, a diretora Dinalva Gurgel Norte Moreira, há 20 anos na Escola Henrique Foréis, resolveu desabafar. No meio de policiais que deixavam seus fuzis em cima das carteiras para recolher fragmentos de projéteis durante a perícia, ela revelou que não é a primeira vez que tiroteios assustam alunos e professores. Todos já sabem como agir: ao ouvir o som de fogos, usados por traficantes para avisar que a polícia está chegando à favela, é hora de se deitar no chão e procurar abrigo. Dinalva garantiu, no entanto, que nunca balas perdidas atingiram o colégio, onde estão matriculados 306 alunos.

¿ Via todo mundo me chamando, sangrando, e eu não tinha mãos para salvar e defender todos. Hoje, tenho certeza de que trabalho aqui por amor à profissão. Se não fosse esta escola, as crianças da comunidade iam contar com quem?

`Ele está abalado e tão cedo não volta à escola¿, diz mãe de aluno

Ainda muito assustada, a dona-de-casa Socorro Silva Souza, de 33 anos, voltou ontem à escola para tentar recuperar a mochila do filho, Rafael Silva Souza, de 10, que cursa a 1ª série do ensino fundamental e foi atingido por estilhaços de bala no peito, no braço, na perna e no olho. Ele teve alta na manhã de ontem do Hospital Salgado Filho e, de acordo com a mãe, está assustado, chorando, sem conseguir entender o que aconteceu.

A dona-de-casa Lucieni Felix guarda na memória os momentos de desespero ao saber que a filha Jocilaine de Souza, de 13 anos, havia sido atingida por uma bala perdida no pé esquerdo, dentro da escola. Na hora, ela se lembrou da morte, ocorrida há dois anos, de uma criança, vítima de bala perdida, perto de sua casa no Morro dos Mineiros.

Lucieni nasceu em Nereu Sampaio, no interior de Minas Gerais. Quando tinha 16 anos, os pais decidiram se mudar para o Rio, já que não conseguiam emprego. A opção pelo Complexo do Alemão tem uma explicação: o Morro dos Mineiros reúne centenas migrantes do estado.

A doméstica Maria Cordeiro, mãe de Daniel Cordeiro, de 9 anos, ferido de raspão no tórax e na cabeça , disse que o filho está traumatizado.

¿ Ele está muito abalado e tão cedo não volta à escola.

Tratado como herói, o gari Eduardo de Souza, de 34 anos, que há um ano trabalha como faxineiro da escola, ontem não apareceu. Por telefone, conversou com a imprensa e relatou os momentos de pânico.

¿ Primeiro, me abriguei. Depois, corri para ajudar e proteger as crianças. Minha roupa ficou toda suja de sangue. Nessa hora eu só pensava no meu filho e no carinho que tenho por cada uma dessas crianças ¿ disse ele, que é chamado carinhosamente de Tio Eduardo pelos alunos da Henrique Foréis.

Ontem a escola não teve aula. Apesar de professores, diretores e funcionários de apoio terem comparecido normalmente ao trabalho, as crianças não foram. A diretora disse que hoje fará uma reunião com os pais e pretende, na segunda-feira, retomar a rotina de aulas. A Secretaria de Educação descartou a hipótese de transferir a escola para outro local.