Título: UM ATOLEIRO DE DIFÍCIL SAÍDA PARA OS AMERICANOS
Autor: Flávio Henrique Lino
Fonte: O Globo, 09/06/2006, O Mundo, p. 39

Insurgência prolongada, violência sectária e falta de governos estáveis evidenciam fracasso no conflito

Era para ser uma guerra rápida da superpotência contra um ditador de Terceiro Mundo enfraquecido por mais de uma década de sanções e cuja maior arma era uma retórica incendiária. Para justificar o ataque, criou-se uma complicada teia de acusações, apresentando-se o tirano como uma ameaça iminente ao mundo montado num arsenal de destruição em massa.

Passados três anos da invasão do Iraque, no entanto, a derrubada de Saddam Hussein foi o único item da agenda dos Estados Unidos para o país que pode ser considerado realizado. Desmoralizado diante do resto do planeta por não terem sido encontradas as supostas armas proibidas, o governo de George W. Bush logo mudou a justificativa para a guerra: em vez do arsenal de destruição em massa, o objetivo principal passou a ser a derrubada de um regime ligado ao terrorismo internacional.

Sectarismo é barreira no caminho da democracia

Sem conseguir comprovar conexões entre Saddam e Bin Laden, Washington novamente adotou outra razão para o conflito: a necessidade de implantar a democracia no Iraque.

¿ O mundo está melhor sem Saddam ¿ repete Bush à exaustão, assombrado por índices de popularidade que, por causa da crescente oposição dos americanos à guerra, despencaram para abaixo de 30%.

Mais um fracasso. Divididos em linhas étnicas e religiosas que no passado abriram caminho para a minoria árabe sunita do ditador ¿ 20% da população ¿ oprimir a maioria xiita e os curdos ¿ 60% e 15%, respectivamente ¿ os iraquianos não conseguem superar desconfianças mútuas e formar um governo de unidade nacional eficaz, sem o qual o país torna-se inviável. Só há duas semanas os políticos eleitos em janeiro chegaram a um nome de consenso para administrar o Iraque, o premier xiita Nuri al-Maliki. E apenas ontem concordaram sobre quem ocuparia as pastas do Interior e da Defesa, postos-chave numa nação mergulhada na violência e ameaçada de fragmentação.

Sem a autoridade de um governo central forte, o Iraque foi presa fácil da anarquia sectária, tornando-se um ninho do terrorismo internacional e campo de morte para seus habitantes e os invasores estrangeiros, obrigados a manterem no país 140 mil soldados para evitar o colapso do Estado. A maioria dos 2.500 militares americanos mortos perdeu a vida não na guerra-relâmpago que derrubou Saddam em 2003, mas na insurgência que se arrasta desde então e fez do Iraque um atoleiro de difícil saída para os EUA.

¿ Quando se abre a estratégia da vitória, não há nada dentro ¿ disparou o deputado democrata John Murtha, um ex-fuzileiro naval americano, ecoando críticas feitas por muitos de que o governo Bush armou uma invasão apressada e sem um plano real para o pós-guerra.

Por sua vez, a população civil, apanhada no fogo cruzado entre terroristas, forças do governo, tropas estrangeiras e 11 milícias paramilitares, sofre em níveis que, pelo número de mortes, não estão distantes das chacinas da ditadura. Só este ano, mais de seis mil pessoas foram assassinadas apenas em Bagdá, sem contar as mortes nos atentados a bomba. ¿O principal inimigo em muitos lugares não é mais a insurgência sunita: é a anarquia. Miniguerras de todos contra todos¿, definiu o colunista Thomas Friedman, do ¿New York Times¿. O jornalista Nir Rosen, que cobre a guerra desde o início para o ¿Washington Post¿, completou: ¿Hoje os americanos são apenas mais uma milícia perdida na anarquia.¿