Título: SEM DINHEIRO NEM INFORMAÇÕES
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 10/06/2006, O País, p. 3

Mulheres e crianças liberadas pela polícia aguardam na sede os parentes

BRASÍLIA. A sede em Brasília da associação que financia as atividades do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) foi transformada em um abrigo para 20 crianças e nove mulheres que participaram da manifestação de terça-feira e foram liberadas pela polícia. Na casa, onde funciona um escritório da Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), na cidade satélite do Guará, eles estão desde a madrugada de quinta-feira em condições precárias, à espera da liberação dos parentes presos após a invasão.

¿ Falta dinheiro para a comida das crianças. Nossas roupas e remédios ficaram na delegacia (onde os militantes foram autuados) ¿ contou Ana Cláudia Guedes, uma das mulheres abrigadas na casa.

Ana Cláudia disse que o maior drama era a falta de informação sobre os presos. Ela contou que o grupo não estava acompanhado por qualquer funcionário da Anara e que apenas recebia telefonemas esporádicos de integrantes da associação.

¿ É uma agonia. Não sei quando meu marido vai chegar. Soube hoje (ontem) que 42 pessoas vão continuar presas, mas quem são elas? ¿ perguntou a trabalhadora rural, que luta por um pedaço de terra em Prata, cidade próxima a Uberlândia, em Minas Gerais.

Segundo militantes abrigados na casa, o grupo foi levado para lá às 2h de quinta-feira. A última refeição havia sido feita foi às 11h do dia anterior, no ginásio Nilson Nélson, para onde foram levados os mais de 500 sem-terra presos. A maior preocupação do grupo no momento é com o bebê Douglas, de apenas cinco meses.

¿ Os adultos se viram, as crianças não. Juntamos o que nos restou de dinheiro, fizemos uma vaquinha, mas o neném chegou todo molhado e precisa se trocar ¿ contou a mãe da criança, que não quis se identificar.

As mulheres temem que a invasão da Câmara desgaste a imagem do MLST e atrapalhe a reforma agrária.

¿ Não era esse o objetivo ¿ disse Ana Cláudia.

A busca de informações sobre a Anara mudou a rotina de uma vizinha da sede da associação. Ana Angélica Matheus, de 74 anos, não parou de receber a visita de jornalistas e curiosos depois da divulgação de documentos em que o seu endereço aparece como sendo o da Anara. Ela protestou contra a perda do sossego:

¿ Que absurdo! Os outros é que fazem as coisas e a gente é que paga ¿ disse ela, que vive há 37 anos na mesma casa com a família. (A.G.)