Título: Invasores de cofre cheio
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 10/06/2006, O País, p. 3

Entidade ligada ao MLST recebeu R$5,7 milhões da União; PF investiga uso no ataque à Câmara

APolícia Federal vai investigar se o Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST) usou recursos públicos para financiar a manifestação que terminou com a invasão e depredação da Câmara, na última terça-feira. A Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara), entidade fundada e comandada por líderes do MLST, recebeu nos últimos sete anos R$5,7 milhões do governo federal, sendo a grande maioria (R$5,6 milhões) na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma pista importante foi encontrada pela Polícia Legislativa com o líder do movimento, Bruno Maranhão. Quando ele foi preso, estava com papéis que registram a contabilidade da manifestação. No alto de uma das páginas, que traz os gastos de cada grupo que se deslocou de nove estados, está a inscrição: ¿04/06/2006 (data da manifestação), BSB/MLST, União financia¿. De acordo com o material, o protesto custou R$82.790.

Com base nessas informações, a Polícia Federal vai realizar uma apuração preliminar. Se encontrar indícios mais fortes do uso de dinheiro público, poderá abrir inquérito e convocar testemunhas a depor.

Os recursos repassados à Anara têm origem em quatro convênios firmados entre o governo federal e a associação. Em três deles, Maranhão figura como responsável. No outro, quem está a frente é Edmilson de Oliveira Lima, outro integrante do MLST, também preso após a invasão da Câmara. As informações constam do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).

R$3 milhões após invasão de ministério

Segundo levantamento feito no sistema de acompanhamento, R$3 milhões foram liberados pouco depois que cerca de 1.400 militantes do movimento invadiram o prédio do Ministério da Fazenda, no dia 14 de abril de 2005. Seis dias após a invasão, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) repassou R$1,9 milhão à Anara. A ordem bancária de pagamento traz uma descrição vaga da aplicação dos recursos: diz que eles objetivam a ¿capacitação e formação de trabalhadores rurais em projetos de assentamentos do Incra¿.

Menos de três meses depois da invasão, líderes do movimento foram recebidos no Palácio do Planalto pelo presidente Lula. Na ocasião, o presidente chegou a usar boné e a agitar uma bandeira do MLST. Em 25 de agosto, 46 dias depois, houve um novo repasse de dinheiro do Incra para a Anara: R$1,12 milhão.

Ao todo, o Incra repassou R$4,2 milhões à Anara. As operações aconteceram depois de 2005 através de convênios para a ¿reestruturação econômica, social e cultural dos assentamentos de reforma agrária Paulo Faria (assentamento perto de Uberlândia, em Minas Gerais)¿. No papel, os recursos financiariam a realização de cursos e oficinas de capacitação em diversos estados do Brasil, além de 21 encontros regionais e um nacional.

Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a Anara recebeu R$75 mil do governo para contribuir na assistência jurídica a trabalhadores rurais assentados em projetos do Incra, envolvendo 5.000 pessoas. Bruno Maranhão e Edmilson de Oliveira Lima ganharam diárias para servirem de ¿colaboradores eventuais¿ em Brasília. Em uma ocasião, Bruno recebeu R$250 para participar como palestrante no Fórum Nacional de Prevenção e Mediação de Tensões e Conflitos Sociais no Campo.

A contabilidade da manifestação de terça-feira está registrada em dez folhas de papel ofício apreendidas com Bruno. Numa das folhas, com o timbre de uma empresa gráfica, há um relatório dos custos: ¿Alimentação R$2.500, água R$1.280, ospedagem (sic) R$2.000, extra R$1.000, aluguel carro R$680, (gastos com transporte de militantes dos estados) R$71.050, gastos extra dois São Paulo R$680, (ônibus), Minas Gerais R$400 (faixas), Minas Gerais R$3.200, (deslocamento local)¿.

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