Título: QUESTIONAR O VIGOR DA FÉ
Autor: Eugênio Sales
Fonte: O Globo, 10/06/2006, Opinião, p. 7

Afesta de Corpus Christi nos oferece uma excelente oportunidade para verificar nossa adesão ao ensino da Igreja. O Concílio Vaticano II na Constituição Dogmática ¿Lumen Gentium¿ (nº 11) nos diz: ¿Participando do sacrifício eucarístico, fonte e ápice de toda a vida cristã, os fiéis oferecem a Deus a Vítima divina e com Ela a si mesmos.¿ O documento final da Assembléia de Puebla, em 1979, assim se expressa: ¿O povo latino-americano, em sua maioria, mesmo com deficiência na evangelização, caracteriza-se, entre outros, pela `devoção ao Sagrado Coração de Jesus¿, à presença do Redentor na Eucaristia, as primeiras comunhões, a Adoração Noturna, a procissão do Corpo do Senhor e os Congressos Eucarísticos¿ (nº 164). No Brasil, essa prática religiosa se encontra profundamente arraigada, inclusive na cultura de nosso povo.

A solenidade do Corpus Christi nos convida a refletir sobre o dever de vigiar nossa observância das normas litúrgicas, a fim de preservar a unidade colegial com a Sé Apostólica. A Carta do Papa João Paulo II a todos os Bispos da América, sobre ¿O Mistério e o Culto do Santíssimo Sacramento¿, com data de 24 de fevereiro de 1980, proporciona um rico material de exame. Esse empenho deve ser assumido ¿também por cada um dos ministros da Eucaristia, sem exceção. O sacerdote não pode se considerar `proprietário¿ que disponha livremente dos textos e dos ritos sagrados, a tal ponto que lhes dê um estilo pessoal e arbitrário. Este comportamento poderá até corresponder melhor a uma piedade subjetiva mas será sempre, objetivamente, uma traição a uma harmonia que há de ter, sobretudo nesse sacramento da unidade, a própria expressão¿ (idem).

Na Carta do Papa João Paulo II ¿Ecclesia de Eucharistia¿ era evidente o seu sofrimento em relação à Eucaristia, pois, em decorrência da fraqueza humana, há quem negligencie na sua celebração, dando origem a interpretações errôneas, diversas das prescrições do Vaticano II.

Corajosamente, questionemos o vigor de nossa fé, que se apresenta no manifestar nossa crença pela genuflexão, pela limpeza dos vasos sagrados e da casa de Deus, pelo silêncio respeitoso diante do Senhor, pela atitude reverente em nossas visitas ao Santíssimo Sacramento, pela preparação e ação de graças após a comunhão. Há todo um modo de ser e de agir que se torna por si uma eloqüente pregação de nossa Fé Eucarística. Pensemos em nossas igrejas fechadas enquanto o povo, por isso, é impedido de visitar, durante o dia, o Senhor Sacramentado. Sim, há assaltantes, mas também é possível organizar, com inteligência, alguns voluntários que se honrariam de assegurar, pelo menos, a porta principal aberta. O contrário dá a impressão de afastar os filhos de Deus da Casa do Senhor onde, dia e noite, Ele espera a visita de seus filhos.

Essa festa do ¿Santíssimo Sangue e Corpo de Cristo¿ é uma oportunidade para ressaltar igualmente a importância da Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento. Há no Rio de Janeiro, como em outras Dioceses, a Adoração Perpétua a Jesus Eucarístico. A 3 de maio de 1926, foi instalada oficialmente nesta cidade, pelo então Arcebispo Coadjutor, Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, mais tarde elevado ao Cardinalato. Confiou a obra aos cuidados da Congregação do Santíssimo Sacramento. Há 80 anos que o Senhor Eucarístico permanece exposto, dia e noite, sem interrupção, na igreja de Sant¿Ana.

O Papa João Paulo II publicou, em 2004, um documento sobre o assunto que tomou o nome de ¿Instrução Redemptionis Sacramentum, sobre alguns aspectos que se devem observar e evitar acerca da Santíssima Eucaristia¿. Tudo o que aparece nesse documento deve ser lido em continuidade com a Carta encíclica ¿Ecclesia de Eucharistia¿. Nela, o Sumo Pontífice João Paulo II expõe alguns aspectos de grande importância para o contexto eclesial de nossa época. A Instrução surgiu por determinação de João Paulo II à Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé, que elaborasse um documento normativo no qual fossem tratadas algumas questões a respeito da disciplina do sacramento da Eucaristia.

A solene festa de Corpus Christi nos oferece a oportunidade de fortificar nossa devoção eucarística e rever nossas falhas eventualmente existentes. O Papa João Paulo II inicia sua Encíclica ¿Ecclesia de Eucharistia¿ com estas palavras: ¿A Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma experiência diária da fé, mas contém o próprio núcleo do mistério da Igreja.¿

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.

Pensemos em nossas igrejas fechadas enquanto o povo é impedido de visitar o Senhor