Título: `A IMAGEM DA PUBLICIDADE FICOU CONTAMINADA¿
Autor: Maria Fernanda Delmas
Fonte: O Globo, 11/06/2006, O País, p. 5

O publicitário Washington Olivetto tem uma intuição: este ano será vergonha gastar muito dinheiro em campanha

O setor publicitário foi levado de enxurrada pela crise política quando surgiram dois personagens: Marcos Valério e Duda Mendonça. Um ano após as primeiras denúncias, o publicitário Washington Olivetto ¿ um dos mais respeitados do país, dono da W/Brasil, que não atende a governos, candidatos ou estatais ¿ avalia que o setor foi contaminado, sim. Ele falou ainda ao GLOBO sobre as características dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin e sobre a recente crise de violência em São Paulo. Olivetto tem a sensação de que a violência em São Paulo ¿ onde mora e foi seqüestrado no fim de 2001, por 53 dias ¿ é mais disseminada do que no Rio, cidade que escolheu para os fins de semana.

Um ano depois do início da crise política, mudou algo no mercado publicitário?

WASHINGTON OLIVETTO: É legal separarmos isso. Não é desprezo, não é crítica, eu não sabia que existia o Marcos Valério. Você não pode chamá-lo de publicitário. Ele é um lobista que para ser remunerado se utilizou da publicidade. Mas a imagem da atividade ficou contaminada nesse caso. O caso do Duda Mendonça é diferente. O Duda que sabe fazer o comercial do guaraná do Maradona não precisa fazer essas bobagens.

O caso do Duda Mendonça contaminou também o setor?

OLIVETTO: Quando acontece um episódio como esse, contamina todos nós. Eu recebo desde o elogio que eu não gostaria (um senhor abordou Olivetto há oito meses e disse que ele era o único publicitário sério do país) até, eu soube outro dia, que já tem estudante de comunicação sendo olhado assim: ¿Ah, está estudando publicidade, isso não é legal, não¿.

Como você acha que será a campanha política este ano?

OLIVETTO: Tenho a sensação de que como se colocou um spotlight (holofote), essas campanhas serão menos exacerbadas. Quando eu comecei a trabalhar, as condições de produção eram muito pequenas. Elas melhoraram muito, e hoje você vê coisas que têm uma forma sensacional para esconder a falta de conteúdo. Essa facilidade permite que em campanhas políticas você materialize coisas que não vão acontecer. Você faz metrôs espetaculares, trens que vão não sei para onde. Acho que quem tiver um discurso absolutamente honesto tem tudo para se dar bem.

A crise ajudou a desnudar a construção do candidato pelo publicitário. É bom que o público comece a falar disso?

OLIVETTO: Eu acho bom. Mesmo as pessoas mais humildes têm a consciência hoje da mídia. Elas percebem que existe produção. Quando eu era menino, as pessoas pensavam que os comerciais eram, e eram mesmo, feitos na própria emissora de televisão. Hoje, sabem que tem agência de publicidade.

Este ano vai ser vergonha mostrar que se está gastando dinheiro em propaganda?

OLIVETTO: É totalmente intuitivo, mas acho que sim. Por outro lado, o mundo está vivendo um tesão populista muito forte. Para as estruturas populistas a aparência de mais conteúdo e menos forma é muito favorável.

Quando o Lula diz que quer que a oposição use as imagens das CPIs, você enxerga alguma jogada publicitária?

OLIVETTO: O Lula é intuitivo, é um Silvio Santos. Eu acho até que ele está se antecipando a uma coisa que imagina que vá ocorrer. Ele procura embutir no discurso as respostas para as possíveis perguntas. E quando a pergunta é feita, você reafirma e não parece uma desculpa, parece uma resposta.

Com essa crise, o carisma de Lula foi abalado?

OLIVETTO: Ele conseguiu se colocar fora dos problemas do partido de uma maneira até verdadeiramente surpreendente. Acho que quem foi contaminado com isso foi o PT.

E como você enxerga o produto Geraldo Alckmin?

OLIVETTO: O Alckmin tem um anticarisma que deve ser explorado.

Quando você foi libertado do seqüestro, elogiou a polícia. Como analisa a atuação da polícia neste episódio recente de violência em São Paulo?

OLIVETTO: Os caras foram muito corajosos de entrar lá (no cativeiro) e abrir. Depois eu vim a saber que quando termina um episódio desses normalmente as diversas áreas envolvidas ficam disputando o mérito. E eles foram direitos comigo porque teriam de me levar para a delegacia ainda. Eu disse: ¿Vocês não vão fazer isso comigo, eu preciso ver minha mulher, meu filho¿. E eles foram impecáveis. Por isso eu elogiei. É uma pena inverter a coisa, que os bons virem exceção. A minha sensação é de que a violência em São Paulo é muito mais disseminada e a do Rio é muito mais localizada.

Geograficamente?

OLIVETTO: Geograficamente. Claro que existem as exceções, mas em Ipanema, Leblon você não fica com a sensação de violência. Eu não tenho uma sensação maior de violência no Rio em relação a São Paulo. Acho que o Rio é o alto-falante cultural do país. Possivelmente o quadro de divulgação da violência carioca reverberou mais. Não acho mérito, acho os dois um horror. E bate sempre no fenômeno da educação. O Brasil, enquanto não resolver o problema da educação, vai multiplicar todos os outros problemas.

Você concorda com a afirmação do governador de São Paulo, Cláudio Lembo, de que foi culpa da elite branca?

OLIVETTO: Eu acho que não dá para rotular assim, não. É do quadro social. Ele fez uma frase de efeito. Existem três personagens que a gente precisa ficar de olho. Existem poucos, no mundo inteiro, ricos-ricos. É o sujeito que tem dinheiro, mas mais do que isso ele tem cultura, atenção social. Depois tem um personagem encantador, que é o pobre-rico. É o sujeito que não tem uma grana, mas gostaria de viver como se tivesse, e tem a cultura, a simpatia, movimenta as coisas. E você tem o rico-pobre, que é o sujeito que tem só dinheiro. Ele é grosso, não tem cultura, é predatório. Se o mundo tiver mais ricos-ricos, ótimo. Se tiver mais pobres-ricos, melhor ainda. Se o mundo insistir em ter ricos-pobres, não vai dar certo.