Título: SONEGAÇÃO BILIONÁRIA
Autor: Fábio Vasconcelos
Fonte: O Globo, 11/06/2006, Rio, p. 12

Secretaria estima que grandes empresas deixaram de pagar R$1,2 bi de ICMS em um ano

Após três anos seguidos sem obter a receita prevista no orçamento e correndo o risco de não cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o governo estadual se apressa agora para identificar os ralos por onde vazam milhões de reais que deveriam entrar nos cofres públicos. Uma auditoria da Secretaria da Receita estima que nos últimos doze meses houve uma sonegação de R$1,2 bilhão em ICMS entre as 150 maiores empresas do Rio. Esses contribuintes são responsáveis por 90% da arrecadação do imposto, que vem perdendo fôlego no estado. O Rio foi ultrapassado por Minas Gerais, em volume de recursos obtidos com o ICMS, e já é seguido de perto pelo Rio Grande do Sul.

Além da auditoria, a Corregedoria da Receita está investigando 50 fiscais que atuam na capital e no interior do estado. Eles terão que explicar por que ficaram, entre seis meses e um ano, fiscalizando as mesmas empresas (que não são as acusadas de sonegação) e sem apresentar um relatório conclusivo à secretaria. Há profissionais que estiveram mais de 500 dias analisando as contas de um só contribuinte. Entre abril e maio deste ano, 70% dos 400 fiscais já foram mudados das inspetorias onde atuavam.

¿ Não há por enquanto indício de corrupção. Vamos ouvir as explicações e, se for o caso, tomar outras providências. Uma inspeção de 180 dias é normal para empresas de grande porte. Para outras, porém, pode ser muito tempo ¿ explica a chefe da Corregedoria da Receita, Mary Virginia Northrup, acrescentando que quatro profissionais foram afastados por corrupção entre 2004 e o ano passado.

Um prejuízo mensal de R$100 milhões

A preocupação do governo em melhorar o caixa começou em abril, após o Tribunal de Contas do Estado (TCE) alertar para o risco, em 2006, de um rombo de R$1,9 bilhão, considerando-se o que deverá ser arrecadado e as despesas. A auditoria da Receita começou com o estudo detalhado da Guia de Informação de Arrecadação (GIA), que as empresas são obrigadas a entregar todos os meses. Descontados os créditos tributários e os produtos isentos de ICMS, o governo concluiu que as empresas estavam pagando menos imposto que o previsto. A sonegação ocorreu principalmente em supermercados e lojas de departamento e eletrodomésticos.

Representantes dessas empresas foram então obrigados a se readequarem. Há o caso, por exemplo, de uma conhecida rede de supermercados que recolhia cerca de R$800 mil mensais de ICMS e, após a auditoria, já passou a pagar R$1,6 milhão. Uma loja de vestuário, por sua vez, pagava cerca de R$2 milhões por mês de imposto e agora contribui com cerca de R$4 milhões. O ICMS total arrecadado em todo o estado, em maio, já foi de R$1,155 bilhão, cerca de R$85 milhões além do previsto. Para o secretário da Receita, Antonio Francisco Neto, o pagamento de ICMS abaixo do previsto facilita, inclusive, a concorrência desleal.

¿ Com um ICMS muito baixo, as empresas reduziam o peso das suas despesas. A evasão de recursos, por outro lado, trazia um prejuízo para o estado de R$100 milhões a cada mês ¿ diz o secretário.

Este mês, o governo tem enviado cartas para os empresários informando sobre as diferenças no ICMS recolhido. Em determinado trecho, o documento avisa que, se empresa mantiver um pagamento abaixo do previsto, será aberto um processo de fiscalização. Além disso, os supermercados do Rio estão sendo obrigados a recadastrar as máquinas registradoras. Segundo o secretário Antonio Neto, a medida é para evitar mais evasão de recursos.

Mas o problema no caixa do governo tem a ver também com a legislação no estado. Somente no mês passado foi revogado um decreto, de 2002, que dava às empresas que revendem combustíveis a outros estados o direito de recolher o ICMS no destino. Para fugir da tributação, muitas revendedoras informavam que estavam enviando produtos para fora do Rio, mas nem chegavam a sair do estado, ficando assim isentas do ICMS. Agora, as refinarias passaram a ser responsáveis pelo pagamento do imposto. O prejuízo mensal para o estado era de R$20 milhões.

Para representantes dos fiscais, a dificuldade de receita do estado está ligada também à falta de infra-estrutura da Secretaria de Receita. Segundo o presidente do Sindicato dos Fiscais de Renda do Rio, João Bosco, as mudanças prometidas pelo governo para reestruturar a secretaria após o escândalo do propinoduto não saíram do papel.

Atualmente, o órgão conta com 597 profissionais atuando em várias áreas, quando o total previsto pelo próprio governo seria de mil. Bosco cita como exemplo a principal barreira de fiscalização do estado, que fica em Resende, na Rodovia Presidente Dutra, onde há apenas um profissional por turno.

¿ Não mudou nada. A queda na receita com certeza tem relação com a falta de incentivo aos profissionais ¿ diz Bosco.