Título: CONSTITUINTE NA BOLÍVIA, ESTADO COM MAIS PODER
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 11/06/2006, Economia, p. 33

Eleição em julho põe em jogo o apoio a Morales para aumentar controle estatal em setores como energia e teles

BRASÍLIA. Locomotiva que move a seqüência de atos e promessas do presidente da Bolívia, Evo Morales, a Assembléia Constituinte boliviana, que será eleita no dia 2 de julho, ainda é um papel em branco, sem rascunho, mas que traz como principal perspectiva o controle do Estado sobre áreas estratégicas, hoje nas mãos do setor privado. São exemplos os setores de energia, telecomunicações, transportes, petróleo, mineração e meio ambiente. Para isso Morales precisa contar com, no mínimo, dois terços dos parlamentares, condição para a aprovação de qualquer mudança na Constituição.

Para fontes da diplomacia brasileira, até que seja conhecido o cenário que se consolidará após 2 de julho, Morales fará uma espécie de jogo duplo: de um lado, usará o lado mais populista possível para os eleitores, tendo em vista sua meta de conseguir 70% dos votos; e, de outro, jogará para parceiros comerciais e investidores. O governo boliviano vem mandando mensagens de que só ele ¿ e nenhum outro ¿ será capaz, com as mudanças que pretende fazer, de dar segurança à comunidade internacional.

Dentro e fora do Brasil, porém, a avaliação é de que a Assembléia Constituinte ainda é uma incógnita. Mas, para o economista boliviano Gonzalo Chávez, há margem ao otimismo.

¿ A Constituinte será uma grande oportunidade para fazer mudanças importantes no país, não apenas sob o ponto de vista econômico, com maior participação do Estado, mas também em relação à questão étnica. Morales deve ampliar os direitos sociais dos indígenas ¿ diz Gonzalo Chávez.

O líder do partido Socialista MAS, Gustavo Torrico, diz que Morales se prepara para elaborar e conduzir um ambicioso plano de desenvolvimento.

¿ Se a economia será estatizada ou mista, isso é algo que vamos discutir na Assembléia Constituinte, que servirá de palco para um importante debate sobre todos os temas, inclusive saúde e educação. Vamos mudar o país ¿ diz ele.

No Brasil, a diplomacia acompanha o tema atenta, mas sem informações. A última vez em que chegaram sinais sobre a Constituinte foi quando o ex-presidente Carlos Mesa, antecessor de Morales, criou uma comissão de juristas, políticos e especialistas para esboçar diretrizes e propostas. Mas nada foi para a frente.

Para especialista, há saída sustentável de governo

Uma fonte comentou que se Morales conseguir os dois terços terá mais poder de decisão em todos os aspectos. Um cenário em que Morales não tenha todo o apoio de que precisa o tornaria mais conciliador, mais disposto a negociar.

Para Gilberto Schwartz, da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor da Cidade do Conhecimento, as perspectivas não são tão assustadoras.

¿ Há dois caminhos: o cenário Chávez (Hugo Chávez, presidente da Venezuela, que comanda o país sozinho por não ter oposição expressiva) e o cenário Lula com maioria no Congresso. No segundo caso, Morales tem legitimidade e pode muito bem governar sem mudanças radicais contra os mercados, conduzindo o país politicamente de forma sustentável ¿ afirma Schwartz.