Título: `EU, NATURALMENTE, VOTARIA EM LULA¿
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 11/06/2006, O Mundo, p. 43

Presidente eleito do Peru, Alan García se diz consciente dos desafios da pobreza e quer aproximação com Brasil

LIMA. De seu 1,92 metro de altura, o presidente eleito do Peru, Alan García, observa a realidade do país que governará a partir do dia 28 de julho com realismo. Ele sabe que apesar do forte crescimento da economia nos últimos anos, a pobreza continua sendo um drama na vida de mais de 50% do país. O líder do Partido Aprista Peruano (Apra), que governou entre 1985 e 1990 ¿ tornou-se presidente com 35 anos ¿ sabe, também, que a população está farta de corrupção e privilégios da classe política. Em entrevista ao GLOBO, dois dias após a vitória, García falou sobre sua admiração pelo presidente Lula. Segundo assessores, García faria uma visita relâmpago a Brasília entre terça-feira e quarta-feira, para reunir-se com Lula.

O presidente Hugo Chávez o acusou de ser ¿ladrão, corrupto e sem vergonha¿. Qual será a atitude de seu governo em relação à Venezuela?

ALAN GARCÍA: Depois do dia 4 de junho (dia da eleição), decidi esquecer tudo o que aconteceu antes. As necessidades dos Estados são mais importantes que os relacionamentos pessoais.

Chávez será convidado para a posse do novo governo?

GARCÍA: Todos os presidentes estão convidados.

As acusações contra o senhor foram muito duras...

GARCÍA: Imagino que o senhor Chávez foi mal informado. Antes, ele havia se referido de uma forma totalmente diferente a mim. Falava na liderança de Alan García no Peru.

O senhor manifestou interesse em negociar um acordo de livre comércio com o Brasil. Como é seu relacionamento com o presidente Lula?

GARCÍA: Temos um relacionamento muito especial, ele é um homem bom, acredito muito em Lula. Estamos mergulhados numa disputa em relação ao Tratado de Livre Comércio com os EUA, quando temos um gigante do nosso lado. A Argentina, por exemplo, tem um acordo comercial com o Brasil, mas o Peru parece não ter coragem de dizer ¿espera aí, vamos negociar um acordo que será muito conveniente para o Peru¿. O Brasil produz mais de US$700 bilhões por ano, mais de dez vezes o que é produzido pelo Peru. Não sei o que aconteceu, por que não negociamos um tratado de livre comércio com o Brasil. Pelo menos estamos construindo uma grande estrada que é um acordo de livre comércio, porque vai unir os dois países. Tenho a esperança de que o Brasil finalmente olhe para o Pacífico, este é seu porto.

Faltam poucos meses para a eleição presidencial no Brasil e tudo indica que o presidente Lula será candidato à reeleição...

GARCÍA: O importante é que o povo confia nele e eu também demonstrei ter confiança nele. Quando os políticos ganham têm a simpatia de muitos. Mas quando começam os problemas e as crises de corrupção, as acusações, todos somem. Os amigos internacionais são os mais efêmeros que existem. Há dois anos, escrevi um artigo que foi publicado em 25 jornais e mandei para todos os presidentes dos partidos da Internacional Socialista. A consigna era ¿Defendamos o presidente Lula¿. Não podíamos abandoná-lo até que fossem esclarecidas as denúncias de corrupção, mas que insolência, que vergonha, que covardia! Sei que Lula recebeu isso com muito carinho. Eu, naturalmente, votaria em Lula.

Qual o erro mais grave cometido por seu primeiro governo?

GARCÍA: Quando o mundo está vivendo um ciclo inflacionário, devem ser adotadas medidas de combate à inflação. Talvez, meu governo devesse ter sido mais cauteloso em relação a seus gastos, aos créditos, para tentar compensar a tendência inflacionária mundial. No combate contra (a guerrilha maoísta) Sendero Luminoso, na tentativa de melhorar a situação da maioria, jogamos um pouco de gasolina na fogueira. Ninguém reconhece a boa vontade no inferno, o que interessam são os resultados.

Nos últimos cinco anos, a economia peruana cresceu cerca de 30%, mas a taxa de pobreza caiu apenas de 54% para 52%. Qual será sua estratégia para resolver o dilema peruano?

GARCÍA: Devemos dizer isso claramente: o que temos é um crescimento virtual. A eleição demonstrou qual é o mapa que nos deixa Toledo. Cerca de 80% dos peruanos se sentem excluídos desse crescimento e não existe um Estado que compense essa situação. Não temos um desenvolvimento social equilibrado. Precisamos de mais Estado. Não um Estado empresarial e burocrático e sim um que ajude a compensar os setores nos quais o mercado não chega.

O senhor insiste na questão de comandar um governo austero e pediu austeridade ao Congresso. Seu governo vai adotar alguma medida emblemática nesse sentido?

GARCÍA: Sim, claro. O povo não espera milagres porque sabe que é preciso tempo. Mas, sim, quer o fim dos privilégios. As grandes revoluções foram feitas para cortar privilégios. Os peruanos querem acabar com a desigualdade entre os peruanos. As pessoas sentem menos fome quando vêem que outros têm menos privilégios.