Título: DOIS BRASIS FORA DO MAPA
Autor: Cristina Alves e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 12/06/2006, Economia, p. 16

Alta de juros americanos para enfrentar inflação faz bolsas mundiais perderem US$1,9 tri

Aturbulência que sacudiu os mercados financeiros nas últimas semanas fez evaporar US$1,9 trilhão das principais bolsas de valores do mundo. É mais do que o dobro de tudo o que a economia brasileira produziu de riquezas em 2005, quando o PIB do país foi de cerca de US$800 milhões. Em apenas um mês, as 16 maiores bolsas de países desenvolvidos e emergentes viram seu valor de mercado diminuir 7,38%, levando a essa perda trilionária, segundo cálculos da Cenário Investimentos.

A crise começou em 10 de maio, quando os Estados Unidos subiram sua taxa básica de juros para 5%, o maior patamar desde 2001, provocando uma saída maciça de investidores das bolsas de valores, principalmente de países emergentes.

Mas os analistas continuam otimistas com a economia internacional e, por tabela, com o Brasil, para os próximos anos. Para Otaviano Canuto, diretor-executivo do Banco Mundial (Bird) para o Brasil, o mundo vinha crescendo acima do seu potencial e, agora, a tendência é de uma suave perda de ritmo:

¿ Os juros subiram nos países desenvolvidos e isso desencadeou um ajuste no portfólio dos investidores. Mas, pela primeira vez em muitos anos, o Brasil enfrentou uma turbulência internacional sem estar vulnerável ¿ afirma.

Enquanto Rússia e Turquia viram suas bolsas caírem mais de 20%, na Bolsa de São Paulo (Bovespa) a queda foi de 15,2% desde 10 de maio. Ainda assim, perdeu US$55,55 bilhões em valor de mercado, pelos cálculos da Cenário Investimentos.

Efeito dominó na alta dos juros

¿ Apesar das perdas, quem investiu na bolsa brasileira nos últimos três, quatro anos ainda está ganhando ¿ resume Ronaldo Guimarães, sócio-gestor da Cenário.

Além da redução no valor das ações, houve uma forte fuga de investidores em todo o mundo. Entre os dias 10 e 24 de maio, nada menos do que US$6,92 bilhões foram resgatados de fundos de ações nos EUA, segundo a consultoria AMG Data. Só a Índia perdeu, em três dias, US$1 bilhão em investimentos estrangeiros em bolsa, de acordo com a Economist Intelligence Unit (EIU).

A elevação dos juros nos EUA foi acompanhada por México, Turquia, Coréia do Sul, Tailândia, Índia e África do Sul. Na zona do euro as taxas também subiram e, no Japão, o governo avisou que a era de juros zero está perto do fim. Enquanto isso, no Brasil, os juros continuam em queda. A defasagem em relação ao resto do mundo, no que diz respeito às taxas de juros, é o grande trunfo do país daqui para frente, na avaliação de Paulo Tenani, chefe de pesquisa para o Brasil do UBS Wealth Management.

¿ Por problemas domésticos, o Brasil ainda paga juros mais baixos lá fora do que no mercado interno. Então, as taxas brasileiras continuarão caindo e o Brasil crescerá mais daqui para frente do que no passado. Nos demais emergentes, o crescimento tende a ser menor em relação ao seu desempenho recente ¿ diz Tenani.

Mas que ninguém espere do Brasil taxas asiáticas de expansão do PIB, alerta. Para isso, diz Tenani, é preciso avançar nas reformas microeconômicas. De qualquer maneira, o economista do UBS vê um mundo onde os chamados BRICs ¿ Brasil, Rússia, Índia e China, os grandes emergentes ¿ lideram o crescimento global. Apoiado numa vasta oferta de crédito, o consumo americano vem reduzindo a capacidade ociosa da indústria local. Mas os grandes emergentes atendem à demanda dos EUA produzindo a custos baixíssimos, explica Tenani. Isso reduz as pressões inflacionárias e abre espaço para um crescimento global mais vigoroso.

Canuto, do Bird, também vê uma mudança estrutural na economia mundial. Índia e China, que concentram 40% da população do planeta, estão sendo gradativamente incorporadas à economia de mercado. Com isso, nos próximos 20 anos, a expansão global será mais elevada:

¿ As economias baseadas em recursos naturais (Índia e China são grande importadores de minérios e alimentos) vão crescer mais do que a média. Para o Brasil, isso significa contas externas mais favoráveis.

Menos otimista, o economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, acredita que o Brasil ainda é vulnerável e que a desaceleração da economia global vai ¿pegar o país de calças curtas¿. Ele lembra que, enquanto o PIB mundial cresceu em média 4,73% ao ano entre 2003 e 2005, no Brasil a expansão foi de 2,55%, num hiato de 2,1 pontos percentuais.

¿ Os EUA cresceram acima do seu potencial por quatro anos. Agora, o Fed (BC americano) trabalha para subir juros e desaquecer a economia ¿ diz José Alfredo Lamy, da Cenário Investimentos. Segundo ele, o Brasil fez um bom trabalho ao reduzir a parcela de sua dívida pública atrelada ao câmbio, mas ressalta que o país poderia ter baixado tarifas de importação e fechado acordos comerciais para ampliar seus mercados.

¿ Temos vivido um período em que os EUA, com enorme déficit em conta corrente, vêm sendo financiados por outros países. É natural que esse processo seja corrigido. Os EUA devem deixar de importar o equivalente a 6% do PIB. Uma redução dessa mexe na estrutura de fluxos comerciais e financeiros no mundo ¿ diz Maria Cristina Terra, da Fundação Getulio Vargas, especialista em finanças internacionais.

Nesse cenário, continua, foi muito positivo o aumento das exportações brasileiras. Mas ela concorda que o Brasil aproveitou pouco a fase de fartura e poderia ter buscado novos mercados para expandir suas exportações e aumentado divisas.

No governo, a turbulência nos mercados ainda não é considerada uma ¿crise¿, mas apenas um momento de incerteza. E mesmo que houvesse uma fuga de investidores do Brasil, em busca de ativos de outros países, a avaliação da equipe econômica é de que o país tem condições de absorver esse impacto, graças às reservas internacionais elevadas (US$63 bilhões), ao alongamento da dívida publica e à solidez da balança comercial, com previsão de saldo de US$40 bilhões para este ano.

COLABORARAM Patrícia Duarte e Eliane Oliveira